Transparência cidadã

10/08/2012 at 16:25 (Hermano de Melo) (, , , , , , )

  Hermano de Melo*

Dias atrás, neste espaço, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Pessoa de Mello Belli, teceu considerações sobre a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11), posicionando-se contra a divulgação de holerites de servidores públicos e a indicação nominativa dos destinatários dessas verbas remuneratórias, em artigo intitulado “Aberração Jurídica” (Correio do Estado, 02/08/2012). Coincidência ou não, o texto – similar a uma peça de defesa – foi publicado alguns dias após o jornal mostrar que alguns desembargadores e juízes do TRT-MS ganham até R$ 409 mil por mês. (Edivaldo Bitencourt/Celso Bejarano, Correio do Estado, 25/07/2012).   

Texto do desembargador Ricardo Belli

Segundo o magistrado, a medida não tem amparo legal, porque “não é citada na lei de cujo texto o decreto deriva, e este não pode ir além da lei” (Dec. 7.724/12); além disso, seria contrária à norma constitucional dos direitos individuais, ao estabelecer serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (CF, art.5º, X). E justifica: “Nenhum indivíduo, seja trabalhando no setor público, seja no privado, se sentiria confortável e seguro sabendo que sua remuneração está exposta ao conhecimento geral: o profissional humilde se consideraria ainda mais diminuído no meio social; o mais qualificado e bem remunerado se julgaria e, com razão, alvo da cobiça, da inveja, da curiosidade alheia, sem falar no interesse que os respectivos ganhos certamente provocariam no meio da delinqüência”. E completa: “Longe estamos, todos nós, da perfeição moral, nem vivemos numa Suíça”. 

 As preocupações do desembargador Ricardo Belli procedem e requerem medidas para aperfeiçoamento da Lei de Acesso à Informação. Entretanto, como diz o economista e jornalista Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas: “No Brasil, a divulgação dos salários sempre foi um tabu. Mas essas informações não são sigilosas: não é segredo de Estado, nem de Justiça, nem informação pessoal”. Para Mariana Pimentel Fischer Pacheco, coordenadora do núcleo de estudos fiscais da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas-SP, apesar dos problemas na aplicação da lei, a nova legislação será efetiva: “É cedo para dizer, mas parece que há comprometimento para mudar uma cultura de administração pública herdada da ditadura militar, de se fazer ‘caixas pretas’, de não permitir transparência. Quanto maior o acesso e a participação da sociedade, mais eficiente torna-se a administração pública”. E o ministro do STF, Ayres Britto, se posicionou favorável à divulgação dos salários, mas pretende criar comissão com integrantes da cúpula do Judiciário para redigir regulamentação única que deve ser seguida em todo o país.

 Embora se esteja longe da perfeição moral e não se viva na Suíça, a publicação nominal de holerites dos servidores públicos da União, Estados, e Municípios, será um importante instrumento de controle público e transparência cidadã no Brasil. Que o diga a divulgação da aberrante remuneração de desembargadores e juízes do TRT-MS.

* Jornalista e escritor

** Artigo publicado no jornal Correio do Estado, em 10/08/2012.

2 Comentários

  1. keyciane said,

    Parabéns pelo artigo, Hermano! Bravíssimo! Não acredito que a divulgação dos holerites seja assim “invasão de privacidade”. O sujeito assumiu ser um agente público. Deve sim contas à sociedade sobre o que faz, deixa de fazer e quais as condições que tem para fazê-lo. Hoje, com um movimento nacional de greves no executivo federal percebemos distorções graves. E completamente irracionais. Que só revelam tratar-se de dispêndio com dinheiro público. E fazem com que trabalhadores de nível auxiliar no Senado ganhem muito mais que professores nas Universidades Públicas. Ou que técnicos/assistentes que realizam trabalhos bastante parecidos ganhem salários muito diferentes. Além de vez ou outra achar verdadeiros marajás por aí. Gente que ganha verdadeiras fortunas e não faz NADA para mudar esse país! Isso está muito errado! Como contribuinte, como cidadã, não posso aceitar isso. Os agentes públicos tem obrigação de agir, de buscar soluções, de promover as mudanças urgentes nessa política de clientelismo que deteriora os limites entre público e privado na cultura brasileira. Ao invés de permanecerem na zona de conforto, à custa da exploração da “massa salariada”. Tem horas em que eu verdadeiramente sinto vergonha de ser servidora pública. Por ver que impera no setor uma preguiça mental e moral, uma tendência irresistível à estagnação, um insuportável jeito de “não me toques, sou autoridade… olha o desacato”. Ao saber quanto ganha um dado agente público não sinto vontade de assaltá-lo, mas sinto uma vontade danada de saber qual é o trabalho dele e cobrar que ele trabalhe direito. Olha bem para o que é a justiça nesse país. A lentidão. O descaso. Precisamos pagar tanto por um serviço que não funciona como deveria? É esse o sentido da coisa!!! Aí está o cerne da revolução. Quando Francis Bacon dizia que conhecimento é poder, acho que é mais ou menos isso que ele queria dizer… Ah, e para constar… R$ 409 MIL reais é praticamente o orçamento ANUAL da Funai em CG (tirando as despesas de pessoal e encargos, ou seja é todo o recurso para manutenção, diárias e projetos). Imagino que não deve ser muito diferente nas unidades de Dourados e Ponta Porã. Isso ajuda a explicar porque lideranças indígenas em áreas de conhecido litígio são perseguidas por pistoleiros… e nada acontece! Porque a porcaria do Estado Brasileiro não está lá para dar segurança e garantir direitos de quem os têm tão violados (Vide: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6434&action=read).

    • Hermano Melo said,

      Valeu,Keyci,muito bem colocado.
      Kisses mil,querida.
      Herman.
      PS. Não esqueça que hoje tem o “Ovo da Serpente” no Aracy Balabanian.

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