Ditadura e futebol

26/07/2012 at 12:19 (Hermano de Melo) (, , , , , , )

Hermano Melo*

 Nos últimos dias, dois tablóides mineiros pertencentes ao mesmo grupo empresarial, publicaram uma série de reportagens sobre a relação entre o futebol brasileiro e a ditadura militar de 1964, particularmente em seu período mais crítico (1969-75), quando a repressão política atingiu o clímax. (Larissa Arantes, Murilo Rocha, Thiago Nogueira/O Tempo/Super Notícia, 16-21/07/2012). É provável que o recrudescimento desse tema na imprensa nacional se deva à recente criação pela presidenta Dilma Rousseff da Comissão Nacional da Verdade e implantação dos Comitês Estaduais da Verdade nos diversos estados brasileiros, inclusive aqui em Mato Grosso do Sul.

 Na reportagem intitulada “Quando a ditadura entrou em campo” (16/07), citam-se os nomes de Afonsinho, Nando, Reinaldo, Sócrates e Wladimir, como casos típicos de jogadores que sofreram repressão política na época. Quem não se lembra, por exemplo, do gesto do centro-avante Reinaldo, o maior ídolo do Atlético mineiro, que na Copa de 78 costumava erguer o punho fechado após cada gol que fazia? Depois disso, diz ele, “comecei a ser boicotado”. O professor de História da Universidade Federal de São João Del Rei – MG, Euclides Couto, explica: “Os militares investiram pesado na incorporação de órgãos de gestão de esportes fazendo a ideologia e os métodos deles se propagarem por esses meios. Ocuparam cargos estratégicos em confederações nacionais federação regionais. Havia interferência direta”. 

 

Outro episódio marcante foi a demissão do técnico João Saldanha, que era comunista, às vésperas da Copa de 70, e a sua substituição por Zagallo, na denominada “Copa que não acabou”. Na ocasião, Saldanha recusou-se a convocar Dario, do Atlético -MG – o “Dadá Maravilha” – e o então presidente Médici, queria ver o Dadá no time. Foi quando Saldanha afirmou: “Ele (Médici) escala o ministério, e eu escalo a seleção”. Isto lhe custou o cargo. Mas Zagallo garante que teve autonomia o tempo todo, sem influência militar em relação à lista de convocação. Explica novamente o professor Euclides Couto: “Existia a ideia de um crescimento vertiginoso no país, com grandes obras, e isso refletia no campo do esporte. Assim, a seleção, “uma paixão de 90 milhões de brasileiros”, era a melhor aposta para a promoção do governo. 

                                                                   

 

 

Professor Igor Vieira explica a relação do futebol com a ditadura militar no Brasil. (G1.Com.2010)

 Ao ser perguntado se a Comissão da Verdade vai revelar o que os atletas sofreram durante a ditadura militar, o conselheiro da Comissão de Anistia, Nilmário Miranda, respondeu: “O Estado tem obrigação de revelar a verdade, reparar moralmente e até financeiramente as vítimas da tirania. O país está descobrindo que o direito à verdade é um direito irrenunciável”. Daí a importância da convocação de Assembléia Geral do “Comitê Memória, Verdade e Justiça do MS”, sob a presidência de Lairson Palermo, para o dia 03/08/2012, às 18 horas, no “Plenarinho” da Câmara dos Vereadores, que terá a presença de Gilney Viana, ex-preso político e Coordenador da Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Todos estão convidados. 

    *Jornalista e escritor

**Artigo publicado no jornal Correio do Estado,em 26/07/2012.

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A morte do cacique

09/07/2012 at 12:40 (Hermano de Melo) (, , , , , , )

 

Hermano Melo* 

 Finalmente, após sete meses de investigação, a Polícia Federal (PF) em Ponta Porã, MS, concluiu aquilo que o Ministério Público Federal (MPF), Funai, Cimi, CPT, e todos aqueles que acompanham de perto a questão indígena em Mato Grosso do Sul já sabiam: o cacique Nísio Gomes da comunidade Guarany-Kaiowá do acampamento Guaiviry, município de Aral Moreira,  fronteira com o Paraguai, foi assassinado de forma cruel, apesar da ausência do corpo. (Correio do Estado/Michelle Rossi, 20/06/2012).                                                                       

O crime aconteceu em 18/11/2011, quando o acampamento foi invadido por jagunços armados, a mando ninguém sabia de quem, que deram tiros a esmo com balas de verdade e de borracha, atingiram vários índios e levaram consigo o corpo do cacique Nisio Gomes ferido e sangrando, conforme relato dos próprios indígenas. Naquela ocasião, foi dito que, devido à ausência do corpo, havia forte suspeita de que o cacique ainda estivesse vivo, e que alguém, inclusive, havia sacado dinheiro em nome dele em uma agência bancária de Brasília.

 Evidencias no local, porém, revelaram que havia sido cometido um crime no acampamento e que o cacique Nísio Gomes estava de fato morto, motivo, inclusive, da realização de um ato público na Assembléia Legislativa contra a impunidade e em defesa dos povos indígenas do Estado, proposto pelo deputado estadual Pedro Kemp, em 25/11/2011 (Faroeste Caboclo II/ Correio do Estado, 28/11/2011). Em 16/01/2012, a PF relatou inquérito onde concluiu pelo indiciamento de um grupo de pessoas por lesão corporal, disparo de arma de fogo e formação de quadrilha, quando ainda se pensava que o cacique estivesse vivo. 

Cacique Nisio Gomes e o filho_durante_manifestação Agora, diante de novas evidencias, a PF indiciou mais oito pessoas por homicídio doloso duplamente qualificado por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima – no caso, o cacique Nísio, cujo corpo ainda se encontra desaparecido. Os mandados de prisão preventiva inclui o policial militar aposentado Aureliano Arce, dono da empresa Gaspem Segurança e mais três funcionários dessa empresa que teriam invadido o acampamento na época. Em 05/07/2012, mais oito pessoas foram presas “pelo sumiço do cacique”, inclusive o presidente do Sindicato Rural de Aral Moreira, Osvin Mittanck (Thiago Gomes/Correio do Estado,05/07/2012). 

O que se espera é que as investigações da Polícia Federal prossigam e esclareçam em definitivo o que aconteceu com o corpo do cacique Nísio Gomes no distante 18/11/2011 em terra indígena Guarani-Kaiowá Guaiviry, no sul do MS. Além disso, é fundamental que os culpados pelo crime – tanto executores quanto mandantes (especialmente estes), e demais envolvidos – sejam punidos com o rigor da lei, a fim de que esse tipo de crime não volte a ocorrer por aqui. Mas é bem provável que o que aconteceu em Aral Moreira seja apenas a ponta do iceberg do que ocorre com as populações indígenas em outras regiões do Estado e do País.

  * Jornalista e Escritor

 ** Artigo publicado em 09/07/2012 no jornal Correio do Estado.

***Este post é uma homenagem póstuma ao Prof. Antonio Jacó Brand, falecido no último dia 03 de Julho/2012, pela sua luta em prol dos Kaiowá-Guarani do MS, especialmente no campo da educação indígena. Salve Prof. Brand!

 

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Economia verde

06/07/2012 at 12:02 (Hermano de Melo) (, , , , , , , , , , )

Hermano Melo*

 Um dos temas mais discutidos atualmente – em particular, na Rio+20, realizada há pouco no Rio de Janeiro, RJ, é o da economia verde. No início, muitos de certa forma ainda desinformados sobre a nova modalidade de economia global, julgaram que o mundo havia encontrado uma fórmula mágica de colocar capital e trabalho no mesmo barco e reunir desenvolvimento sustentável, justiça social e proteção ao meio ambiente.

 Houve até proposta do G77+China, no sentido de criar um fundo de 30 bilhões de dólares/ano para a economia verde. Mas tudo indica que isso não passou de mais uma jogada de marketing dos países ricos. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) define economia verde como a “que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade, igualdade social, e reduz riscos ambientais e escassez ecológica”.  

Panteras-iradas protestam contra a economia verde na Rio+20

  Assim, são necessários investimentos públicos e privados, tecnologias, políticas públicas, programas governamentais e práticas de mercado voltadas para melhoria dos processos produtivos. Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp, “a economia verde deve promover geração de empregos, inovação tecnológica, ciência, inclusão social e conservação dos recursos naturais”. Para ele, o potencial de biodiversidade, os avanços sociais e a matriz energética brasileira permitem ao Brasil transição rápida e segura para a economia verde inclusiva. (Paula Louredo/Brasil-Escola,junho/2012).

 Na verdade, porém, alguns exemplos de implantação da economia verde ao redor do mundo não são animadores. No Brasil, as empresas Plantar e Suzano Papel e Celulose convertem florestas nativas em monoculturas que prejudicam ecossistemas e aceleram a degradação da terra, além de prejudicar comunidades que vivem ao seu redor; no Panamá, florestas foram destruídas para dar lugar à construção da barragem de Barro Blanco e 5.000 indígenas Ngobe que vivem na região não foram consultados; na China, a hidrelétrica de Xiaoxi, além de danos ambientais irreparáveis, expulsou 7.500 pessoas de suas terras, sem consulta prévia e indenização; nos EUA, o Departamento de Agricultura aprovou sementes de milho geneticamente modificadas da Monsanto que, em breve, estarão espalhadas por todo mundo.

 Em, “Esverdeando o capitalismo: a farsa das corporações para a Rio+20”, Andressa Caldas e Sandra Quintela afirmam: “A crise ambiental tornou-se justificativa para a ‘descoberta’ e regulamentação de uma nova fronteira para expansão e circulação de capital que, na prática, corresponde à mercantilização dos recursos naturais. (…) Esse esverdeamento do capitalismo está diretamente relacionado ao aumento exponencial da apropriação dos recursos naturais, da expropriação de pessoas e comunidades de suas terras, da exploração de agricultores e comunidades tradicionais, que, mediante contratos públicos ou privados, passam a ser considerados “prestadores de serviços ambientais”. Isso, obviamente, não aparece nos comerciais felizes de TV nem nos relatórios de sustentabilidade publicados por grandes empresas.

 *Jornalista e escritor

 ** Artigo publicado no jornal Correio do Estado, em 06/07/2012.

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