Rio+20:”O futuro que queremos”

26/06/2012 at 16:56 (Hermano de Melo) (, , , , , , )

 

Hermano Melo*

 No encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20, sexta-feira passada (22/06), no Riocentro, delegações de 188 Estados-Membros e três observadores aprovaram o documento “O Futuro que Queremos”. O texto coloca a erradicação da pobreza como o maior desafio do planeta nas próximas décadas e propõe a criação de um Fórum Político de Alto Nível Internacional na ONU para debater sobre metas do desenvolvimento sustentável. Ele procura também fortalecer o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma) e o principio adotado na Eco92 que aponta os países mais ricos como maiores responsáveis pelo desenvolvimento, pois depredaram mais o meio ambiente. O documento alerta sobre a necessidade de se estabelecer metas para o desenvolvimento sustentável e adoção dessas medidas até 2015.

 

O texto oficial da Conferência, porém, recebeu fortes críticas da sociedade civil, de ambientalistas e Organizações Não-Governamentais (ONGs). Eles redigiram uma carta intitulada “A Rio+20 que não queremos” (ou “Rio-20”), ironizando o título do documento original (O Futuro que queremos). Nela, os manifestantes criticaram a falta de compromissos, ações e objetivos concretos do texto oficial. O diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, declarou: “Não podemos aceitar esse documento porque ele não está acontecendo do jeito que queremos, no tempo necessário para salvar as gerações futuras”. E Severn Suzuki, completou: “Esta conferência não é só sobre economia, ecologia ou desenvolvimento sustentável. É sobre como estamos levando a raça humana. É sobre a nossa sobrevivência. Eu vim aqui com os meus pais e o meu filho, pois este é um problema entre gerações. É sobre os nossos filhos e isto não está sendo colocado desta maneira aqui”, disse com lágrimas nos olhos a mulher que há 20 anos falava duramente diante de chefes de Estado, na Eco92.

     Na verdade, quem foi ao Rio de Janeiro teve oportunidade de participar de pelo menos três facetas da mesma Rio+20: a oficial, no Riocentro, presidida pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, com a presença da presidente Dilma Rousseff, da ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira e demais chefes de Estado – nela se redigiu o documento oficial do evento; a paralela, “Cúpula dos Povos”, no aterro do Flamengo, onde se discutiu temas como “Energia limpa”, “Questão Indígena”, “Economia verde”, etc., e se elaborou texto alternativo ao oficial; e a terceira, a mostra “Humanidade 2012”, no Forte de Copacabana, promovida pelas Federações das Indústrias, uma exposição futurista sobre sustentabilidade. Alguns comentaram que a Rio+20 se parecia ao contraponto Davos x Fórum Social Mundial, de tempos atrás.

Mas a resposta aos anseios daqueles que almejam um mundo sustentável para as próximas gerações – ao invés do que está contido no documento oficial da Rio+20 – talvez esteja numa frase do texto da paralela “Cúpula do Povos”: “As alternativas estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemônico e transformador”. É isso aí.

* Jornalista e escritor

**Artigo publicado no jornal Correio do Estado de 26/06/2012.

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Terras quilombolas no Estado

12/06/2012 at 16:15 (Hermano de Melo) (, , , )

 

Hermano Melo*

 A notícia não poderia ser mais auspiciosa: pela primeira vez, em Mato Grosso do Sul, uma comunidade quilombola recebeu do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 01/06/2012, o título definitivo da terra, após oito anos de espera. Trata-se da Comunidade Chácara Buriti, situada na BR-163 a27 km de Campo Grande, e o documento beneficia 87 pessoas de 26 famílias. No próximo dia 15/06 será a vez da Comunidade São Miguel, em Maracaju, MS, que receberá também o título definitivo da terra. Outros 17 processos de comunidades quilombolas tramitam no Incra local, mas acredita-se que o MS tenha 24 comunidades desse tipo sem a posse da terra. (Fernando da Mata, G1/MS, 01/06/2012; Maria Matheus/Correio do Estado, 02/06/2012).

  

A comunidade Chácara Buriti planta hortaliças, parte usada para subsistência e outra comercializada com a Conab por meio do Programa de Aquisição de alimentos (PAA), do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Por ocasião da entrega do título, a bisneta de João Antonio da Silva, Lucinéia de Jesus Domingos Gabilão, 27 anos, líder da comunidade Chácara Buriti, declarou: “É a realização de um sonho de gerações. A volta dessa terra pra gente favorece os produtores”. E o superintendente regional do Incra, Celso Cestari, acrescentou: “É o resgate de uma dívida impagável”. 

 

 Para entender a importância histórica da entrega desse primeiro título de terra quilombola em Mato Grosso do Sul pelo Incra, é preciso remontar ao passado. Durante a escravidão no Brasil, os quilombos eram locais onde os negros escravos buscavam abrigo para fugir dos maus-tratos impingidos pelos senhores de engenho. Na época colonial, centenas dessas comunidades existiram nos estados da Bahia, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Alagoas, onde se constituiu um dos mais importantes quilombos, o de Palmares, que, em 1670, tinha cerca de 50 mil escravos. Estes eram chamados de quilombolas e um dos mais famosos foi Zumbi, que por cinco anos resistiu aos holandeses e às tropas do governo de Pernambuco. (Quilombo Família Silva/Hermano Melo/Correio do Estado, 24/04/2009). 

 Baseado no artigo 68 da Constituição Federal (CF) de 1988, que diz: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos, que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”; e no decreto 4.887/2003, que concede a essas populações “o direito à auto-atribuição, como único critério de identificação das comunidades quilombolas”, o governo brasileiro reconheceu então o primeiro quilombo do Brasil – da Família Silva, em Porto Alegre, RS (2009), e agora os quilombos Chácara do Buriti e São Miguel, no MS.

 

                                        

O que se espera é que o Incra reconheça outras importantes terras quilombolas no Mato Grosso do Sul. É o caso, por exemplo, da “Comunidade Tia Eva”, ou “Igrejinha de São Benedito”, em Campo Grande, MS, fundada em 1910 e que completou, em 26 de abril último, três anos de reconhecimento como comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares.

 * Jornalista e Escritor

**Artigo publicado no jornal Correio do Estado, em 12/06/2012.

*** As duas primeiras fotos são de autoria de Fernando da Matta/G1/MS, 01/06/2012, e a terceira é de Álvaro Rezende/Reportagem de Maria Matheus/Correio do Estado,02/06/2012.

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Rio+20 e sustentabilidade

01/06/2012 at 17:42 (Hermano de Melo) (, , )

 

 

Hermano Melo

Deu na coluna do Giba Um (29/05/2012): “Barack Obama não vem ao Brasil para a Rio+20 porque está enfiado nas eleições; Ângela Merkel, chanceler da Alemanha, e os primeiros-ministros David Cameron (Inglaterra) e Stephen Harper (Canadá) também não vêm. Os dois primeiros por conta da situação econômica da Europa e Harper por não concordar com o conteúdo da conferência”.  Embora politicamente esvaziada, a Rio+20 vai acontecer de 13-22 de junho de 2012 no Rio de Janeiro, e terá a presença de 102 chefes de Estado e Governo e delegações de 176 países. Na verdade, ela dará sequência a uma série de conferências sobre o clima que aconteceram antes, a última em Durban, África do Sul, no fim do ano passado (COP-17).

A Rio+20 é chamada assim, porque há vinte anos aconteceu no Rio a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Eco-92 – e o atual evento pretende definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Assim, a Conferência do Rio terá dois eixos principais de discussão: 1) A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; 2) A estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Nela haverá três momentos distintos: 13-15/06 – Reunião do Comitê Preparatório; 16-19/06 – Eventos com a sociedade civil; e 20-22/06 – reunião do Segmento de Alto Nível da Conferência, com a presença de Chefes de Estado e de Governo dos países-membros das Nações Unidas.

Para a sociedade brasileira, porém, o momento mais importante da Rio+20 será o “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”, de 16-19/06 no Riocentro, onde o setor privado, ONGs, comunidade científica, etc., discutirão temas relativos ao desenvolvimento sustentável: (1) No combate à pobreza; (2) Resposta às crises econômicas e financeiras; (3) Desemprego, trabalho decente e migrações; (4) Padrões sustentáveis de produção e consumo; (5) Florestas; (6) Segurança alimentar e nutricional; (7) Energia sustentável para todos; (8) Água; (9) Cidades sustentáveis e inovação; (10) Oceanos. As recomendações que resultarem dos “Diálogos” serão levadas aos Chefes de Estado e de Governo presentes à Cúpula.

Mas as perguntas que martelam as mentes dos que se interessam pela construção de um mundo mais sustentável hoje, talvez sejam as mesmas que preocuparam muitos brasileiros por ocasião da ECO-92: O que fazem realmente os governos das grandes potencias econômicas mundiais – EUA, China, Japão, Alemanha, França – e dos países em desenvolvimento, incluído aí o Brasil, para reduzir o aquecimento global e promover modos de vida mais sustentáveis no planeta Terra?  

Muito pouco. Mas é preciso entender que a sustentabilidade no seu sentido mais amplo, vai além da vontade de governos ou da presença de políticos como Obama, Merkel, Cameron e Harper na Rio+20, como diz Giba Um. Ela implica necessariamente em pleno desenvolvimento humano – moradia, saúde e educação para todos em todo mundo – e isso provavelmente só virá a acontecer algumas décadas à frente, numa sociedade pós-capitalista.

* Jornalista e Escritor  

**Artigo publicado no jornal Correio do Estado em 01/06/2012.

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