No breu

25/08/2009 at 08:00 (Samyra Yulle)

Cada um pode com a força que tem

Na leveza e nos desafios de ser jornalista

Eu, Flávio e o professor. Seria aquele o momento oportuno de uma acareação? Talvez não só o orkut tenha surtos, mas o sistema que nos afoga também. Poderia ser o Armagedon e sim, nossas questões teriam respostas ao alcance. As especulações a respeito da profissão e do que somos enquanto academia, ou melhor, o que podemos enquanto tal, chegam a ser angustiantes. Não, mais uma vez as perguntas pairaram, mas há algum tempo os pensamentos parecem alçar vôo diferente.

Sexta-feira, 21 de outubro de 2005. Nublado, o clima estava ameno e propício para práticas esportivas e em especial com “gostinho de quero mais”. Retornávamos de uma competição no Rio de Janeiro e como sempre contagiados pela vontade de mudar, de sermos melhores e mais fortes. Àquela altura, as maiores preocupações eram as provas no colégio e os treinos, que prometiam corrigir falhas persistentes, que atrapalhavam o desenvolvimento técnico dos atletas e melhorar o condicionamento físico. Naquele instante você é apenas mais um adolescente que não entende pinóias sobre futuro, carreira e dinheiro só preocupa quando faltam os trocados para o lanche ou pra suas manias esquisitas de aborrecente. Era o judô, o que durante seis anos foi meta. O que eu seria fora daquele universo. Pergunte a um ossotogari e a um joelho mal resolvido.

O professor parecia um pouco impaciente enquanto Flávio e eu nos perdíamos em dúvidas, em contestações. Normal para quem, como nós, nas palavras de meu amigo, “Não se vê fazendo outra coisa.” Como encarar os desafios de frente na corda bamba do bom senso, rezando para não pender para o mercado, rezando para não nos acomodar? Quais são as nossas garantias, ou melhor, que podemos garantir àqueles que sempre estão lá quando precisamos?

Fevereiro de 2006 e as aulas estavam a todo vapor. Tentei me concentrar nos livros, mas o remédio receitado para o pós-cirúrgico era de fato forte. Tudo era novidade naquele momento. Perdia o sono pensando em quando poderia voltar a lutar, em se conseguiria recuperar as matérias perdidas na escola. Sentia os músculos pesados e fazia esforço para me acomodar na cama. Ao lado, velhos e atuais amigos disputavam minha atenção: os livros e as muletas, algozes heroínas.

O celular toca e sei que ele estava a caminho. Amigo, confidente, motorista, pai pra toda obra. “Samyra, esqueceu os seus horários?”. Não, parece automático imaginar suas broncadeiras. Conseguir que ele confiasse no meu futuro no jornalismo não foi, ou melhor, não é tarefa fácil. Testes e mais testes, do gênero, suas teorias são pertinentes? Não sei pai, mas vou descobrir. As perguntas em um território de investigação, ainda incipiente, são tão importantes quanto as certezas identificadas. Como foi ressaltado recentemente para nós alunos, em jornada internacional sobre investigação e desenvolvimento da qualidade dos conteúdos audiovisuais e televisivos, “o jornalista precisa ser cético.”

A noite parecia uma eternidade. Às 3h da madrugada, era impossível conter toda aquela água naquele 1,56m: precisava ir ao banheiro. Depois de fazer do dia-a-dia da família exaustivo, com idas à fisioterapia , banhos e sessões curativos, é evidente que o orgulho falava mais alto – precisava literalmente andar com as próprias pernas. Primeira tentativa. Receio. No quarto escuro, apenas a tela do computador brilhava. Admitia que de fato, como disse um tio, ex-peladeiro de final de semana e atual fisioterapeuta, “uma cirurgia de LCA não é como um corte de cabelo”. Tentei, mas não conseguia equilibrar o corpo. Insistentemente, a água que precisava sair, tentava sair pelos olhos e as lágrimas, eu não pude conter.

O jornalismo não é apenas uma vocação, é uma sina, um dom. Você nasce com a palavra incontida na garganta que luta para sair. Você nasce com o grito aprisionado no peito, teimoso, persistente. Cresce com a idéia fixa de mudar o mundo, de querer fazer diferente e sempre intrigado com tudo e todos que o cercam. Somos apaixonados por vozes, por olhares. As singularidades não pedem, invadem nosso sossego, roubam nossos sonos e sonhos. Parecemos enfeitiçados por injeções de red bull, que nos fazem voar e até acreditar que de fato temos asas, somos anjos responsáveis pela intercessão junto à mídia dos que sofrem, mesmo sem saber, com os abusos dessa.

Ao ouvir soluços, o homem já estava em pé. Qual foi a última que o “carro velho do papai” aprontou? Os olhos doeram com aquela luz. Para o vulto apenas pedi ajuda, sentindo um peso no peito. “Pai, me ajuda a ir ao banheiro?”. Silêncio. Quando percebi, a princesa era conduzida no melhor estilo ao trono: carregada nos braços de um enviado celestial, explicação mais plausível para o sr. José Galvão.

Soa poético essa visão da profissão e de fato o pode ser. Mas só ela é capaz de sustentar o peso das carências profissionais que cercam o jornalista desde seu estágio idéia no candidato a uma vaga na universidade. Sinto os olhos marejados apenas em pensar que talvez não haja ninguém para me carregar futuramente. Que talvez, no futuro, eu olhe para trás e veja que, de fato, não fui a mulher maravilha ou algo parecido.

Mas o que mais me preocupa é o medo de errar, o orgulho de mancar, a incapacidade de abandonar pré-conceitos e de reconhecer de que preciso não ser jornalista, mas ser jornalismo. Nesse projeto confuso de vida, a única certeza que tenho é que ele precisa de nós.

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Kurussu Ambá

07/08/2009 at 23:20 (Hermano de Melo)

índioHermano de Melo*

Esse é o nome guarani da aldeia Cruz Sagrada situada em Coronel Sapucaia, na divisa de Mato Grosso do Sul com Capitão Bado, no Paraguai, a 383 km de Campo Grande. Na verdade, não há ali uma aldeia indígena propriamente dita, mas cerca de 150 índios da etnia guarani-kaiová – inclusive 70 crianças de zero a 8 anos de idade e 18 ainda bebês – que vivem acampados em barracos de lona, às margens da Rodovia MS 284, na altura do km 18, entre a cidade de Coronel Sapucaia e Amambaí no Mato Grosso do Sul. Ali eles passam por toda sorte de necessidades – isolamento, fome, frio, falta de atendimento médico, etc. – enquanto aguardam a demarcação das terras indígenas pela FUNAI (Jacqueline Lopes, Midiamaxnews, 24/07).

A história é mais ou menos a seguinte: há três anos esses guaranis disputam uma área de 2,2 mil hectares da Fazenda Madama de propriedade de Antonio e Maria Cecília Vendramini. Ano passado, em decisão polêmica, líderes indígenas que comandaram a segunda ocupação da área em maio de 2007 (a primeira aconteceu em janeiro daquele ano), foram condenados a 17 anos de prisão pelo juiz da 2ª Vara de Amambaí, Thiago Nagasawa Tanaka, acusados de extorsão, roubo e seqüestro e cárcere privado. O conflito terminou com jagunços atirando contra os índios e na confusão a índia Xuretê (Julite) Lopes, 70, foi atingida por tiros e morreu. Os assassinos ainda não foram identificados e os índios foram então para a beira da rodovia MS-284, a 30 quilômetros da área urbana, onde permanecem até hoje.

O que acontece em Kurussu Ambá é só a ponta do iceberg de um problema que aflige o Estado de Mato Grosso do Sul e o Brasil como um todo e que necessita de uma solução urgente: a demarcação das terras indígenas. Na matéria citada acima, intitulada, “Ventania deixa índios ao relento sob frio de 0ºC”, percebe-se claramente o grau de acirramento do conflito existente entre fazendeiros e indígenas a partir dos comentários feitos ao final da reportagem. O primeiro leitor diz: “(…) nessa área que os indígenas estão acampados nunca foi aldeia nem sequer um dia, porque antropólogos não levam esses índios pra suas casas vocês querem tanto esses indígenas, porém, lá eles terão cama, roupa limpa e chuveiro elétrico”. O segundo, argumentou: “(…) Por que esses índios não vão trabalhar, hein?…Ah esqueci, os brancos tomaram as terras deles…pura demagogia”. E o terceiro foi mais longe: (…) “É muito triste ver a situação desses índios, porém, é mais triste ainda saber que proprietários de terras, que as adquiriram de forma legal, serem prejudicados com uma falsa premissa de que o índio precisa é de terra, isso é uma mentira!”.

Além de contribuir ainda mais para o acirramento de posições entre brancos e índios, esses tipos de comentário caberiam num período de franca expansão territorial quando os índios eram vistos como um empecilho na consecução desse objetivo. Mas o que dizer nos dias de hoje? O que parece ocorrer é que essa “nova visão” sobre a questão indígena combina perfeitamente com o modelo neocapitalista, oligárquico e positivista que está sendo implantado no Brasil rural, apesar de algumas políticas sociais implementadas pelo governo Lula. Uma demonstração disso é o artigo recente (03/08) publicado aqui e intitulado “A destruição criadora”, do veterinário Augusto Araújo, baseado na obra de Joseph Schumpeter, onde ele diz: “Parte dos indígenas brasileiros ainda estão em um processo de “destruição criativa”. O seu antigo modo de vida, que era o que toda a Humanidade possuía há uns 5 mil anos atrás, foi confrontado com um modo de vida que, sem sombra de dúvida, é mais eficiente para manutenção da espécie”.

É claro que deve haver sempre uma constante renovação e substituição do velho pelo novo, quer se trate de humanos ou de tecnologias, mas isso não significa extinguir o antigo, o que havia antes! Senão o que seria dos monumentos históricos, das obras de arte antigas, das múmias e das tumbas dos faraós egípcios, do Coliseu romano, das grandes navegações chinesas, portuguesas e espanholas do século XV, dos grandes vultos históricos, etc.? Neste caso, a preservação das etnias e dos costumes indígenas é fundamental não só para o Brasil, mas para o mundo civilizado e a demarcação de suas terras não significa qualquer retrocesso evolutivo da espécie humana. Significa, isto sim, respeitar as tradições dos antepassados e reconhecer a sua capacidade de intervir no futuro da humanidade, mesmo nos dias de hoje. E de uma coisa você pode estar certo, caro Augusto: Se realmente Schumpeter se referiu à “destruição criadora” no contexto em que é colocado em seu artigo, ele cometeu, de fato, um erro imperdoável!

PS. Este artigo foi escrito antes da decisão do TRF – 3ª região de São Paulo que suspendeu o início dos trabalhos de identificação e demarcação das terras indígenas no MS, mas a luta para que isso ocorra o mais breve possível deve continuar.

*Escritor e estudante de jornalismo

**Artigo publicado no jornal Correio do Estado em 14 de agosto.

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O vovô e a netinha

05/08/2009 at 12:04 (Hermano de Melo)

ato-secreto-600Hermano de Melo*

Responda depressa,caro leitor: É possível a um vovô, especialmente quando investido em cargo público de relevância, negar à netinha um pedido de emprego para o namorado? Evidente que não! E foi pensando assim que o atual presidente do Senado Federal,ex-presidente da República e membro da Academia Brasileira de Letras, José Sarney, autorizou o ex-diretor da Casa, Agaciel Maia, a contratar o namorado (agora ex-namorado) de sua neta Beatriz, Henrique, no esquema dos 511 atos secretos do Senado da República. Decerto, ele pensou, que um ato tão insignificante como aquele nem mereceria atenção, nem carecia de publicação. Além disso, ele certamente não seria o primeiro nem tampouco o último a realizar tal ilicitude, pois outros presidentes do Senado o fizeram anteriormente. O que ele não imaginava é que toda a conversa entre ele e a netinha foi gravada e a divulgação do papo telefônico repercutiu como uma bomba junto à opinião pública brasileira.

Mas conforme mostra o jornal “A Província” de Montes Claros, Minas Gerais (26/07/09), a utilização de atos secretos no Senado e as peripécias de José Sarney vêm de pelo menos 23 anos atrás! Na reportagem de Reginauro Silva, consta um recorte da denúncia publicada na revista Veja de 14.05.86 (nos bons tempos da Veja, claro!) intitulada “Debaixo do pano”, na qual a filha do então presidente José Sarney, Roseana Sarney Murad, assessora do Senado Federal, contratada temporariamente e com prazo delimitado para deixar a função, passou de uma hora para outra a ser do quadro permanente dos funcionários da Casa, mesmo sem prestar concurso público como exige a lei. Ao saber da denúncia, o marido de Roseana e secretário particular da presidência, Jorge Murad, comentou: “Nem mesmo a Roseana sabe disso”.

O interessante dessa história de nepotismo, porém, é que o ato de nomeação dos servidores à época, ao contrário do que determina a legislação, não foi divulgado em nenhuma publicação oficial do Senado e o fato só veio a público com a publicação do almanaque de funcionários da Casa. Na ocasião (1986), quando perguntado sobre isso, o senador Raimundo Parente, do PDS do Amazonas, afirmou: “Tudo foi feito dentro da legalidade”. E o senador do PFL paraibano, Milton Cabral, completou:“Essas nomeações são uma tradição do Senado”. E explicou: “A tradição é muito simples,o senador chega à Casa com oito anos de mandato e filhos, noras e genros com uma vida pela frente. Emprega alguns deles como assessores e explica que ‘se não pode confiar nos parentes não poderá confiar em mais ninguém’. O tempo passa e, com a proximidade do fim do mandato,o Senador efetiva os interinos, tornando vitalícias as nomeações”. Essa talvez seja a explicação para o ato de José Sarney e dos atuais atos secretos baixados pelo Senado Federal.

Baseados no histórico acima e no fato de que os atos secretos envolvem ao menos trinta e sete senadores da República, dentre os quais, Cristovam Buarque (PDT-DF), Delcídio do Amaral (PT-MS), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor (PTB-AL) e Pedro Simon (PMDB-RS), é possível condenar o presidente do Senado José Sarney apenas por ter empregado o ex-namorado de sua neta Maria Beatriz no Senado Federal? O que dizer, por exemplo, da farra das passagens aéreas envolvendo um número expressivo de Deputados e que deverá ser apurada em breve, conforme promessa do presidente da Câmara Michel Temer (PMDB-SP)? E mais, será que os atos secretos, antes restritos ao Senado, já não teriam contaminado a Câmara Federal e os demais órgãos públicos, o legislativo federal, municipal e estadual, o judiciário, os tribunais de contas e os governos estaduais e municipais de todo o País, inclusive os de Mato Grosso do Sul? Quem em sã consciência poderá atirar a primeira pedra na (no) “Geni”?

Ao sair em defesa de José Sarney – e por isso ser bastante criticado pela oposição – o presidente Lula provavelmente o faz não apenas para preservar a aliança político-fisiológica que o seu partido (PT) mantém com o PMDB a nível federal e estadual, nem tampouco para evitar surpresas desagradáveis na futura CPI da Petrobrás. Ele o faz também de olho no passado, na ainda frágil democracia brasileira, da qual bem ou mal o Senado é um dos seus principais esteios. Nesse sentido, são sábias as palavras de Carlos Heitor Cony em sua coluna na Folha de São Paulo (26/07), intitulada “Até quando?”:“A onda moralista que a mídia desencadeou contra o Senado e em especial contra determinado senador lembra a virulência udenista que, expressando a indignação das grandes parcelas da classe média, criaram as condições para o movimento militar de 1964”. É claro que isso não significa um aval para sair contratando tudo que é namorado de netinha (e netinha!) existente por aí sem a realização de concurso público, né?

* Escritor e estudante de jornalismo

**Publicado no Correio do Estado de 05/08/09

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