Reforma agrária no Estado

28/03/2012 at 11:49 (Hermano de Melo)

Hermano Melo*

Reforma agrária: desafio em MS.

Duas reportagens publicadas recentemente na imprensa local colocam em xeque o processo de reforma agrária em Mato Grosso do Sul. A primeira, de Celso Bejarano (Correio do Estado, 23/03/2012), estampa a manchete: “Incra pode retomar 7,4 mil lotes irregulares em MS”. A segunda, de Patrícia Belarmino (O Estado, 24/03/2012), denuncia: “Assentamento perto da Capital vira reduto de ‘Chacrinhas’ de fim de semana”.

 A primeira matéria cita cálculos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em que, dos 29.850 lotes distribuídos nos 178 assentamentos do Estado, 7,4 mil deles (25%) têm problemas. Ou seja: de cada 20 lotes de assentamentos rurais de MS, 5 estão irregulares e em mãos de pessoas que compraram, alugaram a terra, ou então cuidam deles para donos que moram na cidade.

Bejarano diz ainda que a maioria dos 246 lotes dos assentamentos Estrelas Jaraguari e Campo Grande, tem característica de favela, sem serviço de água, esgoto e energia. Os donos dos lotes legais tiram dinheiro do bolso para bancar pequenas lavouras e criar animais, e os assentados trocam lotes por carros velhos, casas, ou até R$ 100 mil. O Incra não assenta ninguém no Estado há 17 meses.

A segunda reportagem se refere ao assentamento Santa Mônica, a 60 km da capital, com mais de 700 lotes, que, conforme os próprios assentados, a maioria está nas mãos de terceiros. Uma das assentadas diz que o que mais chama atenção é o fluxo intenso de carros no assentamento nos fins de semana: “Daqui a pouco, enche de carro aqui. Todo mundo vindo para o assentamento. Quando chega ao fim da tarde de domingo, os carros começam a ir embora”.

O Superintendente do Incra no Estado, Celso Cestari, adverte: “Não estamos fazendo reforma agrária para o cara ir passar o fim de semana no lote. Estamos preparando outras fiscalizações”. E acrescenta: “Dos 14 mil lotes fiscalizados, o índice de regularidade chega a 80%. Nos locais em que for preciso, vamos entrar na Justiça para garantir a retomada dos lotes”.

É evidente que a reforma agrária enfrenta hoje sérias dificuldades, tanto no MS, quanto no Brasil como um todo (Caros Amigos, novembro/2011). As fiscalizações do Incra e punições aos que fazem mau uso da terra destinada à reforma agrária são, portanto, necessárias e importantes, especialmente no Brasil, onde a “Lei de Gérson” impera. Mas, reforma agrária se resume a comprar terras, dividi-las em lotes e assentar famílias ao “Deus dará”?

Como resistir, por exemplo, à aridez do assentamento “Santa Mônica”, onde faltam estradas, água, luz, esgoto, escola, vizinhos, praça, igreja e boteco? Como não sucumbir à tentação de, ao invés de agricultor, ser pedreiro, carpinteiro, eletricista, etc., em indústria ou comércio da Capital ou interior do Estado, em tempos do “Kapital” em alta? Estas são algumas questões que precisam ser debatidas em fóruns sobre Reforma Agrária e decerto será um dos temas a ser discutido no “Tribunal Popular da Terra em Mato Grosso do Sul”, promoção do DCE-UFMS, que ocorrerá nos dias 30, 31 de março e 1º de abril próximo no Campus da UFMS, em Campo Grande. Vamos nessa?

* Jornalista e Escritor.

** Artigo publicado no jornal Correio do Estado, em 28/03/2012.

Link permanente 3 Comentários