A usina nuclear

26/08/2010 at 15:41 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Imagem de uma Usina Nuclear.

Deu na mídia local/nacional:Depois do Nordeste, Mato Grosso do Sul, dentre outros oito Estados da Federação – Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás – poderá ser escolhido para a instalação de uma nova usina nuclear visando a produção de energia elétrica a partir de 2030! A informação foi divulgada em 11/08/2010 pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, após assinatura de Acordo de Cooperação Técnica com a Eletronuclear, no Rio de Janeiro, a fim de realizar estudos para seleção de sítios onde deverão ser instaladas as futuras usinas nucleares. Na ocasião,Tolmasquim disse que “o objetivo desses estudos é mapear essas localidades, levando em conta uma série de aspectos, como a presença de água em abundância e a existência de rotas de fuga, em casos de emergências”. Esse levantamento será feito nos próximos dois anos e custará R$ 3,3 milhões. O objetivo principal da medida é ampliar o parque de geração nuclear brasileiro nos próximos 20 anos.(Agencia Brasil, 12/08/2010;Lucia Morel,O Estado do MS,13/08/10;BBC News, 13/08/10).

A justificativa para a execução de tão ambicioso projeto, conforme a EPE, é que o Plano Nacional de Energia (PNE), elaborado em 2007, sugeriu a criação de mais quatro novas usinas nucleares no Brasil, além das três existentes:Angra1e2,em funcionamento,e Angra3,em fase de construção,todas no Rio de Janeiro.Cada uma dessas novas usinas nucleares terá capacidade de gerar 1 mil megawatts de energia elétrica,suficiente para abastecer uma cidade de hum milhão de habitantes.Na assinatura do acordo com a Eletronuclear, o presidente da EPE afirmou ainda que “o potencial hidrelétrico brasileiro começa a se esgotar dentro de aproximadamente 20 anos e que a energia nuclear aparece como uma boa opção para a expansão do parque gerador nacional, complementada por fontes alternativas como a eólica e a biomassa”.

A reação local foi imediata. Em reunião realizada em 17/08 último, no Centro de Defesa e Apoio aos Movimentos Populares (Cedampo), em Campo Grande, MS, os fóruns de Meio ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Mato Grosso do Sul e o de Defesa do Pantanal, compostos por 45 entidades, elaboraram uma carta à Eletrobrás/Eletronuclear, pedindo esclarecimentos sobre os estudos para a instalação de uma usina nuclear aqui no Estado. Os fóruns querem saber os critérios e os métodos a serem utilizados nos estudos, os prazos, quem fará o monitoramento, qual a área de estudo prevista, como será feito o acompanhamento pela sociedade, e qual é o entendimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o assunto. No documento, as entidades afirmam ainda que a sociedade sul-mato-grossense está preocupada com a possibilidade de instalação de uma usina nuclear no Estado (iDEST/Campo Grande News, 17/08/2010).

Mas será que existem motivos suficientemente fortes para se descartar o uso da energia nuclear na geração de energia elétrica ou para outros fins pacíficos? Na versão simplificada do artigo do engenheiro Fábio Bittencourt (atualizada, em 15/11/2009, na Internet), o autor compara acidentes relacionados a diversas fontes de energia com outros observados quando se usa energia nuclear. Ele constata que, de todos os acidentes ocorridos,o mais grave foi o colapso da barragem da hidrelétrica de Banqiao, na bacia do rio Amarelo, na China, em 1975, quando 26 mil pessoas morreram (o número real pode ter chegado a 230 mil!).Enquanto isso, o pior acidente nuclear da História,o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, causou 30 mortes imediatas e alguns milhares de mortes ao longo dos anos seguintes pelos efeitos da exposição à radiação. E o famoso acidente de Three Mile Island, em 1979, nos EUA, que não causou mortes imediatas e projetou-se no máximo uma morte nas décadas seguintes por exposição à radiação. Bittencourt conclui então, que apesar de já terem ocorrido vários eventos com milhares de mortes relacionados às mais diversas fontes de energia, somente o acidente de Chernobyl é recorrentemente lembrado como motivo de alerta para o perigo da fonte ao qual está relacionado: a energia nuclear.

Nesse sentido,é bom lembrar também do artigo de Ulisses Capozolli em “O Observatório da Imprensa” (24/04/2006), intitulado, “Mudança de paradigmas na energia nuclear”. Nele, o autor faz referencia ao artigo escrito pelo cientista independente e pai da Teoria Gaia, James Lovelock, publicado pelo jornal inglês “The Guardian”,e reproduzido pela “Folha de S.Paulo”, em 2004, onde o autor defende a energia nuclear como forma de minimizar o efeito-estufa. E ao artigo de Patrick Moore, um dos fundadores do movimento ambientalista internacional Greenpeace, no Washington Post (17/04/2006), em que ele defende a adoção de fontes nucleares como forma de produção de energia em substituição aos combustíveis fósseis. E, em recente pesquisa de opinião realizada em diversos países (julho,2010) (http://neimagazine.com/story.asp?storyCode=2056948), na qual se fez a pergunta:“Deve o atual nível de utilização de energia nuclear ser diminuída, mantida no mesmo nível ou aumentada?”, os resultados indicam que o uso da energia nuclear,exceto em países como a Alemanha, França e Canadá, deve ser mantida ou ampliada. E pasmem: conforme a pesquisa, ¾ dos russos pensam que o atual nível de energia nuclear do país deve ser mantido ou ampliado nos próximos anos!

Charge espanhola sobre Energia Nuclear. A mensagem: Dom Quixote 400 anos depois. Autor desconhecido.

No entanto, apesar de todas essas aparentes loas em prol da energia nuclear, a verdade é que dificilmente ela pode ser considerada como energia limpa e inofensiva, a julgar, inclusive, pelas palavras do próprio presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim,quando diz que, “na escolha do sítio onde serão erguidas as futuras usinas nucleares brasileiras, deve-se atentar para a existência de rotas de fuga, em casos de emergências”. Alguém, por acaso, já ouviu falar em rotas de fuga em usinas eólicas ou solares?


* Professor, Escritor e Estudante de Jornalismo

Artigo publicado em 26 de agosto de 2010 no jornal Correio do Estado.

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O amigo da onça

09/08/2010 at 12:17 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Peles de animais apreendidas pela Polícia Federal. A quadrilha responsável pela caça de onças agia, entre outros locais, no Pantanal. Foto disponível no portal CapitalNews.

Conforme amplamente noticiado pela mídia local e nacional, inclusive no programa Fantástico da Rede Globo de TV (01/08/2010), a Policia Federal (PF), em ação conjunta com o Ibama, prendeu no último dia 20 de julho, na denominada Operação Jaguar, uma quadrilha que ganhava dinheiro com o abate clandestino de animais silvestres de grande porte, tais como, onças pintadas, pardas e pretas, no Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e no Paraná. A quadrilha,equipada com modernas armas de caça,chegava ao Pantanal em aviões particulares, pousava em fazendas da região e realizava safáris! Calcula-se que o número atualizado de felinos abatidos pela quadrilha de 2009 até agora seja de 32 animais. As 11 pessoas detidas na Operação estão distribuídas nas cidades de Sinop (MT)-8, Corumbá (MS)-2 e Curitiba (PR)-1, mas duas ainda se encontram foragidas:o fazendeiro Célio Néri Prediger,de Corbélia (PR) e Antônio Teodoro de Melo Neto, o “Tonho da Onça”,residente em Rondonópolis (MT).(Jefferson Gonçalves/CapitalNews,21/07/10;Denis Matos/Campo GrandeNews,21/07/10;Daniella Arruda/Correio do Estado,22/07/10;Bruno Grubert/Correio do Estado,27/07/10;Michelle Rossi/Correio do Estado,28/07/10;André Mazini/O Estado,26/07/10).

As investigações foram iniciadas com o suporte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) no ano passado, após a descoberta de carcaças de onças em algumas fazendas do Pantanal e também com o desaparecimento de onças monitoradas pelo Ibama em regiões próximas ao município de Corumbá. Conforme o delegado responsável pela Operação Jaguar, Mário Nomoto (Daniela Arruda/Correio do Estado,22/07/10) “havia duas modalidades de abate clandestino agenciadas pela quadrilha: a primeira é a caça esportiva,por hobby,e a segunda aquela contratada por fazendeiros para eliminar animais que estavam dizimando o rebanho bovino”. Eram cobrados U$ 1,5 mil (R$ 2,6 mil) por safári, fora o transporte e hospedagem. Para isso, a quadrilha tinha como guias pessoas especializadas na caça de onças, os “mateiros” Marcos Antônio Moraes de Melo, e o pai dele, Antonio Teodoro de Melo Neto, mais conhecido como “Tonho da Onça”. Eles eram contratados para auxiliar os caçadores a encontrar as onças utilizando cães farejadores.

No cumprimento dos 14 mandados de busca e apreensão, os policiais encontraram um arsenal de armas e munição utilizado nas caçadas, além de grande quantidade de couros, cabeças empalhadas e outras partes dos animais abatidos.O armamento foi localizado em Cascavel, Paraná, na residência do dentista Eliseu Augusto Sicoli, apontado como o líder da quadrilha. Ele era o responsável pelo agenciamento e recepção dos “turistas” e contratava pessoas dos Estados onde aconteceriam as caçadas para servir de guias. Entre os detidos estão quatro argentinos, um paraguaio e três brasileiros,sendo um deles policial militar. Os suspeitos serão indiciados nos crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais (lei 9605/98) – Perseguir, caçar ou matar animais da fauna silvestre sem permissão – Pena de seis meses a um ano e ainda por porte ilegal de arma de fogo, cuja pena prevista é de até 4 anos de reclusão; e mais o artigo 288 do Código Penal (Formação de Quadrilha ou Bando – Pena de 1 a 3 anos de reclusão).

Assista à reportagem exibida no programa Fantástico, da Rede Globo, e disponível no portal G1.

Embora não justifique o crime, um dos fatores que pode estar contribuindo para a ocorrência do verdadeiro massacre de onças no Pantanal talvez seja o crescimento populacional desses felinos nos últimos anos, e o consequente aumento de ataques ao rebanho bovino da região (Silvio Andrade/Correio do Estado,23/07/10;André Mazini/Tainara Rebelo,O Estado,26/07/10). Andrade, citando o pesquisador Peter Crawshaw, diz que a onça-pintada,um dos maiores predadores do mundo,aumentou consideravelmente sua população no Pantanal, na última década, embora figure na lista do Ibama e da União para Conservação da Natureza como espécie vulnerável. E acrescenta: “Os maiores motivadores da morte de onças ainda são conflitos com fazendeiros e a busca por troféus típicos das Américas tropicais, grande parte por caçadores estrangeiros”. E cita a fala do presidente do Instituto Onça Pintada (IOP), Leandro Silveira: “Muita gente sabe (da caça ilegal), mas nunca se pega ninguém”. E em reportagem no jornal “O Estado”, André Mazini destaca a fala do pecuarista corumbaense Manuel Martins de Almeida: “Antigamente era raro alguém ver uma onça, mas hoje onde tem boi, tem onça comendo. Pra proteger o rebanho, só com ‘benzeção!’”

O aspecto mais revoltante, porém, nesse episódio de matança de onças no Pantanal,é a presença ativa de dois profissionais que não deveriam de forma alguma participar de safáris ilegais na região. O primeiro é o biólogo e taxidermista Fernando Chiavenato,que empalhava os animais mortos para vendê-los posteriormente como troféus aos caçadores,e que se entregou à Polícia Federal, em 26/07,em Curitiba (PR) (Michelle Rossi,Correio do Estado,27/07/10). O segundo é o mateiro,“Tonho da Onça”,que agia como típico agente duplo, ora auxiliando o Ibama no monitoramento de onças ameaçadas de extinção, ora facilitando a vida de caçadores nacionais e estrangeiros para matá-las,sabedor que era dos hábitos desses felinos no Pantanal. Neste caso, ele agia como verdadeiro “amigo da onça” das onças pintadas pantaneiras, semelhante ao personagem satírico imortalizado pelo pernambucano Péricles de Andrade Maranhão (1924-61), e publicado pela primeira vez na revista “O Cruzeiro” em 23 de outubro de 1943. E durma-se com um barulho desses!

*Médico-Veterinário, Escritor e Acadêmico de Jornalismo.

Artigo publicado no dia 09 de agosto de 2010, no jornal Correio do Estado.

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Los Gritones

07/08/2010 at 19:32 (Keyciane Pedrosa)

Um curta que ganhou um prêmio especial no Notodofilmfest, o festival de curtas online da Espanha. Vale a pena conferir:

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