O Mosquito Transgênico

27/07/2010 at 09:51 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Reportagem exibida no Jornal Nacional, da Rede Globo, sobre "O Mosquito Transgênico"

Pesquisas divulgadas este ano em revistas científicas internacionais, abrem novas perspectivas para o controle de duas importantes enfermidades transmitidas por mosquitos aos seres humanos: a dengue e a malária. Na primeira, pesquisadores das universidades de Oxford (Inglaterra) e da Califórnia (EUA) criaram uma nova variedade do mosquito Aedes aegypti modificada geneticamente para não voar e que poderá deter a transmissão do vírus da dengue (Agência EFE,22/02/10).Na segunda,cientistas da Universidade do Arizona (EUA) desenvolveram um mosquito transgênico resistente à malária, após introduzirem um gene que afeta o aparelho digestivo do inseto e que impede o desenvolvimento normal do parasita (BBC/Brasil, 16/07/10). O objetivo final, tanto num como no outro caso,é introduzir o mosquito modificado no meio ambiente para que ele substitua o inseto que carrega o vírus ou parasita responsável pela doença!

A utilização de mosquitos transgênicos no combate à dengue é considerada uma arma promissora contra essa doença que atinge pelo menos 50 milhões de pessoas por ano, e que se espalhou por quase todo Brasil nos últimos anos (Estadão, 23/02/10). Dados publicados recentemente na imprensa local, por exemplo, revelam que Mato Grosso do Sul registrou 77.986 casos de dengue de janeiro a junho de 2010, sendo que um pouco mais da metade deles (39.168) ocorreu só em Campo Grande,MS! E pior: o mosquito não respeita nem mais a estação de inverno, e a infestação por larvas do mosquito permanece alta em sete bairros da Capital, inclusive em bairros considerados nobres,conforme levantamento do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) (Anahí Zurutuza,Correio do Estado,20/07/10). Além disso,os países com mais casos de dengue registrados entre 1995 e 2008 foram Brasil, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Honduras, México, Peru e Venezuela. E a doença se difundiu consideravelmente nos últimos cinco anos na Argentina, Bolívia, Costa Rica e Paraguai. (Agência EFE/Portal Terra, 22/02/2010).

Para o cientista brasileiro da Universidade da Califórnia,Osvaldo Marinotti, que também assina o artigo sobre o mosquito transgênico da dengue, a idéia de utilizar espécies transgênicas “não é nova”. Segundo ele, “algo semelhante já é usado contra insetos na agricultura há muito tempo. Normalmente, as pragas são esterilizadas com o uso da radioatividade e depois liberadas na plantação. No caso presente, os pesquisadores substituíram a irradiação por engenharia genética, técnica mais barata e que não diminui o desempenho reprodutivo dos mosquitos”. Ainda, conforme Marinotti, “a estratégia possui também vantagens ecológicas, pois diminui o uso de inseticidas que costumam afetar outras espécies e prejudicam o meio ambiente”. Mas é bom lembrar que a empresa Oxitec e a Universidade de Oxford detêm a patente sobre a técnica dos mosquitos transgênicos (Estadão, 23/02/2010).

Conforme Luke Alphey, também pesquisador da Oxitec, até agora só foram realizados experimentos de laboratório com a nova espécie de Aedes geneticamente modificada, mas se espera que a variedade de insetos transgênicos possa ser solta à natureza em 2011. E quando isso ocorrer, segundo ele, representará o desaparecimento dos mosquitos nativos da região entre seis e nove meses! Ainda de acordo com Dr. Alphey, embora haja estudos em andamento sobre a prevenção e cura da dengue, o uso generalizado de uma vacina contra o vírus ainda levará muitos anos, e “o controle do mosquito da dengue será a única forma de controlar a doença”. E outro membro da equipe, Anthony James, professor de microbiologia e genética molecular na Universidade da Califórnia,complementa: “Se reduzirmos o número de mosquitos, poderemos reduzir a transmissão da dengue e, com isso, a mortalidade das pessoas”.(Agência EFE,22/02/10).

Embora tanto os pesquisadores que propõem a introdução do mosquito transgênico para o controle da dengue, quanto os que trabalham com a hipótese de introduzi-lo para controle da malária, assegurem que se trata de uma técnica eficiente e limpa,existem preocupações éticas a respeito de soltar insetos geneticamente modificados no meio ambiente. Especialistas dizem que, além dos entraves científicos, é preciso avaliar efetivamente os riscos e benefícios para a espécie humana e a natureza (BBC/Brasil,16/07/2010). É como diz de forma simples, dany31, no Blog “O mundo mágico do cogumelo”, em 25/02/2010: “Os Mosquitos são um nutritivo alimento para:Sapos, Pássaros, Aranhas, Morcegos, Peixes, Lagartos, Lagartixas, Libélulas, algumas larvas e vários outros animais. É uma parte importante da base da cadeia alimentar. Sem suas asas, estarão restritos à terra e seus predadores naturais mudarão radicalmente”. E pergunta: “Que outro animal preencherá o buraco deixado na cadeia alimentar atual? O que acontecerá com seus predadores?”

Essa história do “mosquito transgênico” lembra muito outra que ocorreu no Rio de Janeiro, em 2002, quando do surto de dengue na “Cidade Maravilhosa” (no auge da epidemia, o então Ministro da Saúde, José Serra deixou o governo FHC para disputar a presidência da República, lembram-se?), e no surto de dengue de 2007, em Campo Grande, quando as bromélias foram consideradas “plantas non-gratas” e responsabilizadas pela epidemia de dengue nas duas cidades! A diferença é que, com o passar do tempo, a acusação que pairou sobre as bromeliáceas se revelou infundada,enquanto que o uso de mosquitos geneticamente modificados para combater a dengue parece ser real e urgente. Quando será que essa nova moda chega por aqui, hein?

Artigo publicado em 27 de julho no jornal Correio do Estado.

* Médico-Veterinário, Parasitologista, Professor e Acadêmico de Jornalismo da UFMS.

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Carros por árvores

13/07/2010 at 11:09 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Concessionárias e revendedoras de carros plantam árvores para neutralizar poluição no MS (Fonte: Portal R7).

Como é de conhecimento geral, lei publicada no Diário Oficial em 1º de julho último, de autoria do deputado estadual Marquinhos Trad (PMDB/MS), obriga revendedores de veículos a plantar uma árvore nativa por cada unidade vendida em Mato Grosso do Sul. De acordo com a proposta, as árvores deverão ser plantadas em áreas de preservação ambiental e a fiscalização deverá ser feita pelos órgãos ligados ao meio ambiente. A estimativa é de que, a partir de julho deste ano, mais de 14 mil árvores serão plantadas pelas concessionárias e revendedoras de veículos e maquinaria motorizada no Estado, quer os veículos negociados sejam novos ou usados. O não cumprimento da lei implica em multa de duas mil Uferms, que corresponde a R$28 mil, e caso haja reincidência será aplicada em dobro. Os valores arrecadados serão revertidos ao Instituto do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso do Sul (Imasul), para serem aplicados na preservação ambiental sul-mato-grossense (Vera Halfen/Correio do Estado,02/07/2010).

Embora a maioria dos que tomaram ciência da lei elogie a iniciativa do parlamentar peemedebista, há aqueles que não acreditam na sua efetiva implantação. Roberto Gonçalves, diretor de Desenvolvimento do Imasul, por exemplo, diz que se trata de um projeto com boas intenções e que visa compensar a emissão de gás carbônico pelos veículos automotores, mas ele questiona: “O que é maquinário motorizado?” E quanto à inclusão do carro usado na lei: “A concessionária já plantou uma árvore quando vendeu o veículo. Ao revender o usado, esse mesmo veículo que já gerou o plantio de uma árvore terá mais uma?” Ou ainda: “Que equivalência haveria entre um veículo flex, que polui menos, e um trator, por exemplo?” Ainda, segundo ele, “o Imasul fez várias sugestões de ajustes quando da avaliação do projeto, mas nada foi alterado”. E o deputado Márcio Fernandes (PTdoB), proprietário do grupo Enzo, questiona quem e de que forma será feita a fiscalização. Para ele, “seria bom, mas de difícil realização”. (Vera Halfen, idem acima).

Antes de discutir o mérito do projeto do deputado Marquinhos Trad, porém,vale dizer que a proposição dele não é de forma alguma original, mas reproduz em linhas gerais iniciativas similares de legislativos em diversos municípios brasileiros (virou moda!). Assim, em Barretos, interior de São Paulo, vigora, desde 09 de junho último, a lei municipal 4.342/10, que diz, entre outras coisas, que “para cada veículo novo vendido, a concessionária deve plantar uma árvore”. E em Natal, RN, desde 02/09/2009, as concessionárias têm que plantar uma árvore para cada dois carros vendidos (Lei 0289/2009). E na Câmara dos Deputados,em Brasília, circula o Projeto de Lei 2900/08, de autoria do deputado Manato (PDT-ES), que torna obrigatório o plantio de árvores e congêneres nos casos de divórcio (25 exemplares), casamento (10 unidades), construção de edifícios e compra de carro novo (20 mudas)! E o deputado Manato justifica assim o projeto: (…) “A preservação do planeta deve ser a prioridade maior de toda a sociedade, buscando a diminuição do tamanho das cidades (!?) e aliviando o impacto da humanidade na Terra”.

Há ainda leis municipais que recomendam o plantio de árvores em outras atividades humanas. Em Martinópolis, cidade a 553 km de São Paulo, uma lei municipal, de 2007, obriga os pais a plantarem uma árvore para cada bebê nascido! Como na cidade nasce uma criança por dia, se todos os pais cumprirem a lei são 30 novas árvores por mês, o que, segundo o vereador André Luiz Crepaldi, autor do projeto, vai fazer muita diferença no futuro. Mas nenhuma punição está prevista para quem não cumprir a lei. E em Indaiatuba (SP), quando da comemoração dos 50 anos da Toyota no Brasil, em 22/112008, 10 mil voluntários quebraram o recorde mundial de plantio de árvores, ao plantarem 54 mil mudas de árvores de espécies nativas da região em 30 hectares da Fazenda Pimenta Indaiatuba em 17 minutos e 13 segundos e entraram pro Guiness!

Mas, conforme reportagem de Francisco Alves Filho, na revista Isto É –Tecnologia e Meio Ambiente – Edição No.1985,intitulada “Quantas árvores você está devendo?”,é preciso rever a antiga receita de realização pessoal que sugere a todo homem escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Segundo ele,os dois primeiros itens continuam valendo, mas para saldar nossa dívida ambiental com o planeta, semear apenas uma muda é atualmente quase nada! Isso leva pessoas e empresas à iniciativa de amenizar o problema – a chamada “neutralização” – que consiste em compensar a ação poluente do ser humano com o plantio de árvores, o mais equivalente possível à quantidade de gás carbônico lançado na atmosfera. Mas como diz David Lee, professor de meio ambiente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro: “Contribuímos para o aquecimento global quando usamos, por exemplo, materiais degradáveis ou veículos movidos a combustível fóssil”.

E é justamente aí que reside o principal “furo” da Lei em vigor do deputado Marquinhos Trad. Embora louvável, sob o ponto de vista simbólico e de marketing (especialmente em ano eleitoral!), ela tem apenas função “neutralizadora” e “mitigatória”, mas não elimina de fato a poluição ambiental causada por veículos automotivos antes que ela aconteça!Para que isso ocorra, é fundamental, dentre outras medidas, reduzir significativamente, nos próximos anos, a frota de veículos nacionais movida a combustíveis fósseis e a troca por outros que utilizem fontes energéticas não-poluidoras, tais como energia elétrica, eólica, solar, hidrogênio, etc., além naturalmente do incentivo ao uso do transporte coletivo ao invés do individual. Dá pra encarar?

* Professor, pesquisador, escritor e acadêmico de jornalismo da UFMS.

Artigo publicado no jornal Correio do Estado em 13 de julho de 2010.

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