Obama e a energia verde

26/02/2011 at 13:36 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Obama em discurso ao Congresso Americano. Foto de Alex Wong (AFP)

Em 25/01/2011, o presidente dos EUA, Barak Obama, fez diante do Congresso americano um discurso histórico sobre o Estado da União, quando apresentou metas para os próximos anos de seu governo, com ênfase em inovação tecnológica, educação e infra-estrutura. Em trecho significativo de sua fala, ele propôs eliminar bilhões de dólares de subsídios às companhias petrolíferas e prometeu o apoio do governo às pesquisas em energia verde, comparando-as à corrida da Guerra Fria à lua. E afirmou: “Em vez de subsidiar a energia de ontem, vamos investir na do amanhã. Com mais pesquisas e incentivos podemos romper nossa dependência do petróleo com biocombustíveis, e nos tornarmos o primeiro país a ter um milhão de veículos elétricos na estrada até 2015, e produzir 80% da eletricidade dos EUA de energias limpas em 2035”. (AFP, 29/01/2011).

Nessa imagem noturna da Terra, dá pra ver bem que os EUA é um dos países que mais consome energia no mundo.

O discurso agradou em cheio aos defensores da energia verde. Para Eileen Claussen, presidente do Centro Pew sobre Mudança Climática, Obama “entende que aproveitar as oportunidades atuais de energia limpa vai impulsionar o crescimento do emprego americano”. Mas, para alguns ambientalistas, Obama deveria ter falado sobre alterações climáticas. O Diretor geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) e professor da PUC-Rio, Eloi Fernández y Fernández, por exemplo, foi incisivo: “Embora as metas do Presidente tenham feito a alegria de muitos defensores da energia alternativa, elas pareceram por demais ambiciosas e muito difíceis de acontecerem no tempo previsto”. E completou: “Por que não podem ser essas as metas do país, definidas nas diversas conferências sobre o clima, aquecimento global, etc. Afinal, destas o país tem participado sem nunca se comprometer com números e metas claras desde a época da presidência dos antecessores do atual Presidente, até os dias de hoje”. (“Obama e a energia”: O Globo, 31/01/2011).

Batata quente-quente-quente: as mudanças climáticas exigem novas posturas. Inclusive na política.

Mas há uma explicação plausível para o “ato falho” do presidente em não falar sobre o clima. É que, no ano passado, a oposição republicana no Senado barrou uma proposta legislativa para reduzir as emissões de CO2 no país, através do sistema de comércio de licenças de poluição (mercado de carbono). Como no contexto atual os republicanos são maioria no Congresso, a hipótese de adoção de uma política climática ambiciosa de curto prazo pelos EUA tornou-se remota, e Obama tenta uma aproximação mais cautelosa com a oposição. (Ricardo Garcia, Jornal do Dia/Portugal, 26/01/2011).

É bom lembrar também que a popularidade de Barack Obama despencou nos últimos dois anos, devido principalmente à crise econômica mundial, e isso dificultou sobremaneira a aprovação de qualquer política mais avançada sobre o clima na terra do Tio Sam. Mas tudo indica que o inferno astral de Obama chegou ao fim. Pesquisa de opinião realizada recentemente nos EUA revela que, de dezembro do ano passado a janeiro deste ano, a aprovação de seu governo subiu oito pontos percentuais (de 45% para 53%), e ele já é candidatíssimo à reeleição em 2012! (AFP, 20/01/2011).

Prova disso foi o recente encontro de Obama com o presidente da China, Hu Jintao, em Washington: dos 31 acordos firmados entre os dois países, 22 são de “negócios verdes”. Em entrevista coletiva à imprensa, o presidente americano disse que “como os dois maiores consumidores de energia e emissores de gases estufa, os EUA e a China têm a responsabilidade de combater a mudança climática, avançando com base no progresso alcançado em Copenhague e Cancún e mostrando o caminho do futuro de energia limpa”. E no comunicado conjunto, os presidentes disseram que “vêem a mudança climática e a segurança energética como dois dos maiores desafios de nosso tempo”. (Sérgio Abranches/Coluna Ecopolítica,20/01/2011).

Tudo indica, portanto, que há um entendimento tácito entre os principais líderes mundiais de que, mesmo sem desprezar de imediato fontes energéticas tradicionais (petróleo, carvão mineral e vegetal, etc.), o mundo deve investir maciçamente em energias verdes, sob pena de o planeta terra atingir níveis críticos de temperatura ao final do século. E o discurso de Obama vai nessa direção: “Algumas pessoas querem energia eólica e solar. Outras querem carvão, energia limpa e gás natural. Para atingir essa meta, vamos precisar de todas”. (AFP, 29/01/2011).

E um estudo divulgado recentemente pela ONG WWF e a empresa de consultoria Ecofys, reforça a necessidade de um esforço mundial para substituir combustíveis fósseis com alta concentração de carbono, como petróleo, carvão e gás por 95% de fontes de energia limpa até 2050. O “Relatório Energético” revela ainda que uma troca radical do uso de combustíveis fósseis por fontes limpas de energia poderia representar, no prazo de 40 anos, uma economia de 5,5 trilhões de dólares (quatro trilhões de euros) ao ano, além de combater as mudanças climáticas. (AFP, 02/02/2011).

O uso de energia limpa, como a eólica e a solar, hoje representam menos de 0,5% do consumo energético mundial. Há muito o que se fazer para mudar esse quadro.

É nesse contexto favorável que se encaixa a futura visita de Barack Obama ao Brasil (ele virá acompanhado da esposa Michelle), prevista para os dias 19-20 de março próximo. A reunião de Obama com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília, incluirá temas relevantes que vão desde programas de transferência de renda, até questões de energia, projetos do pré-sal, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável (Agencia Brasil, 25/01/2011).

Mas o que Obama quer mesmo é fazer um discurso histórico no Rio de Janeiro, semelhante aos que ele fez em Berlim em 2008 e no Cairo em 2009. (Folha Online, 12/02/2011). Para a realização do evento, funcionários norte-americanos estão buscando um local que possa abrigar alguns milhares de pessoas, tenha uma logística adequada, e que seja em algum lugar emblemático do Rio – quem sabe até numa praia! Outros estados brasileiros, porém, estão reivindicando a presença de Barack Obama, inclusive a Bahia do governador Jacques Wagner (PT/BA). Será que Obama e Michelle vão resistir à tentação de comer um acarajé em Salvador?


Artigo publicado em 26 de fevereiro de 2011 no jornal Correio do Estado.

*Escritor e acadêmico de Jornalismo da UFMS.

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A visita de Kassab

11/02/2011 at 09:23 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Prefeito Gilberto Kassab, DEM-SP, que visitou a Cidade Morena no final de janeiro.

Recentemente (29/01), o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM/SP), veio a Campo Grande/MS para fazer política e dar algumas dicas técnicas ao prefeito da Capital, Nelsinho Trad (PMDB/MS), sobre a lei da “Cidade Limpa”, implantada por ele na capital paulista desde 2007. O projeto proíbe a propaganda em outdoors, regulamenta o tamanho de letreiros e placas em fachadas de estabelecimentos comerciais do centro da cidade, e reduz a poluição visual. Em Campo Grande, a lei da “Cidade Limpa” foi aprovada em 2009, mas somente deverá ser implementada a partir de junho deste ano, conforme o prefeito Nelsinho Trad. Segundo Kassab, a aprovação da população paulistana à lei é de 92% e a cidade já foi visitada por representantes de 83 países, interessados em conhecer os fundamentos da Lei da “Cidade Limpa”. (Correio do Estado, 29 e 30/01/2011; A Crítica, 30/01/2011).

Imagem do centro da cidade de São Paulo. Com o "Cidade Limpa", cartazes e outdoors considerados degradantes à paisagem urbana estão proibidos.

Mas três anos depois da entrada em vigor da Lei Cidade Limpa, que baniu os outdoors e painéis publicitários das ruas de São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) propôs uma lei polêmica que prevê a concessão dos pontos de ônibus e relógios digitais a uma empresa privada para divulgar mensagens publicitárias. Para a diretora de Meio Ambiente e Paisagem Urbana da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), Regina Monteiro, “a concessão dos pontos de ônibus vai dotar a cidade de equipamentos mais modernos e de publicidade mais qualificada, menos agressiva à paisagem urbana”. O projeto de lei 47/2010 prevê que o ganhador da concessão terá direito de explorar os painéis publicitários por 30 anos! (Globo.com, 06/03/2010).

Apesar disso, parece não haver dúvida que o projeto “Cidade Limpa” é importante para a cidade de São Paulo, assim como o será para Campo Grande e demais metrópoles onde for implantado, pois torna o ambiente urbano mais “clean” e bonito. Como disse o prefeito Kassab, durante seu périplo pelas ruas de Campo Grande ao lado de Nelsinho Trad: ”A Lei Cidade Limpa não tem custo, promove a reurbanização da cidade e ainda é lucrativa, como em São Paulo. Antes do “Cidade Limpa”, nós arrecadávamos com mídia exterior de R$ 9 a 10 milhões/ano, incluindo outdoor, publicidade em relógios e em abrigos de ônibus. Agora, só com concessões para relógio e abrigos de ônibus, existe uma expectativa de arrecadação de R$ 2 bilhões em 10 anos, ou de R$ 200 milhões ao ano”. (Daniella Arruda/Correio do Estado, 30/01/2011). 

Vale salientar, porém, que do ponto de vista ambiental e de qualidade de vida da população, a expressão “Cidade Limpa” significa muito mais do que o que consta na lei idealizada e implantada por Kassab em São Paulo e que será reproduzida em Campo Grande. Cidade limpa quer dizer coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos (lixo) e sua disposição final em aterros sanitários; instalação de lixeiras e recuperação das que são destruídas; recuperação de calçadas, praças e jardins públicos; transporte urbano de boa qualidade; asfalto recapeado sem buracos e remendos; punição aqueles que produzem poluição sonora, visual, e demais atos que infringem os direitos do cidadão. É o que diz o Art.182 da CF, que trata do papel do Município na garantia da função social da cidade, do bem-estar de seus habitantes e do aproveitamento do espaço urbano.

Supondo que todos os elementos colocados acima fossem devidamente analisados, será que Campo Grande passaria no teste de Cidade Limpa? O que dizer, por exemplo, do estado de calamidade pública em que se encontra a Praça Ary Coelho, apesar do anúncio de sua revitalização? (Luci Andrade, Correio do Estado, 07/02/2011). E da presença do Lixão, da não conclusão do aterro sanitário e da não implantação da coleta seletiva de lixo na capital? E da ausência de lixeiras nas ruas e falta de conserto das atuais? Quando é que serão tomadas providências para impedir os abusos relativos à poluição sonora no centro da cidade e nos shows do parque de exposições Laucídio Coelho? (Ângelo Arruda, Jornal de Domingo, 06/02/2011; Otavio Neto, Correio do Estado, 07/02/2011; Heitor Freire, 08/02/2011).

Na fotografia de Julio Lobo, um dos maiores desafios da capital de MS: como dar o destino correto ao lixo urbano.


Evidente que os problemas levantados aqui não são exclusivos de Campo Grande, mas infelizmente fazem parte do cotidiano da maioria das cidades brasileiras nos dias de hoje. É importante dizer também que há um esforço da atual administração municipal no sentido de equacionar e resolver algumas dessas questões antes do término do atual mandato em 2012. Mas é preciso ser mais ágil em algumas dessas medidas, como, por exemplo, na recuperação da Praça Ary Coelho e na coleta seletiva de lixo!

De volta à visita de Gilberto Kassab à Campo Grande, consta que, após um exaustivo dia de trabalho e longos papos políticos, com a presença, inclusive, do novel Deputado Federal, Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS), o prefeito Nelsinho Trad convidou o “conterrâneo” Kassab (ambos são filhos de imigrantes libaneses) para uma rodada de quibe cru na residência dele. Será que ele ainda não ouviu falar do Habib’s, novo point gastronômico de comida árabe da Capital?

*Escritor e acadêmico de Jornalismo UFMS/2011.

Artigo publicado no jornal Correio do Estado em 11 de fevereiro de 2011.

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