Fungos & Papoulas

28/05/2010 at 11:42 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Fonte: Agência Reuters - Imagem publicada no portal Estadao.com

Notícia veiculada recentemente pelo New York Times (13/05/2010), e posteriormente espraiada para o resto do mundo, inclusive no Brasil, revela que,no segundo trimestre deste ano, uma praga agrícola misteriosa – provavelmente um fungo – dizimou cerca de 30% da safra de papoulas no sul do Afeganistão. A notícia não teria maior repercussão se não fosse um “pequeno detalhe”: aquele país do Oriente Médio produz cerca de 90% do ópio no mundo, um derivado da papoula, cujo valor de colheita no ano passado foi estimado pela ONU em 2,8 bilhões de dólares! Com isso, os preços da heroína, a principal droga derivada do ópio, subiram 50% na região. Mas há também outro fator que talvez justifique o interesse mundial pela matéria: trata-se de uma região essencialmente dominada pela insurgência Taleban, contrária à ocupação do país pelas tropas da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e capitaneadas pelos EUA.

De um lado, dizem os representantes da ONU,que se trata de uma estratégia do Taleban para convencer os agricultores locais de que foram as tropas ocidentais que introduziram o tal “fungo assassino” que destruiu grande parte das plantações de papoula. Mas as forças armadas norte-americanas dizem que a erradicação da papoula seria contraproducente no atual esforço de conquistar o apoio dos afegãos, negam enfaticamente qualquer envolvimento no caso e afirmam que a “doença se desenvolveu naturalmente”. Por outro lado, além de alimentar a guerra de propaganda, a praga pode também ajudar os insurgentes ao promover uma alta no preço da papoula. É que a produção reduzida está causando alta de até 60% no preço do ópio fresco, depois de anos de quedas de preços, conforme Antonio Maria Costa, diretor executivo do Serviço de Combate a Drogas e Crime da ONU. (Estadão On-line, 13/05/2010).

Mas a hipótese de que sejam as tropas da OTAN responsáveis pela disseminação da praga do fungo nas plantações de papoula no Afeganistão não é de todo descabida. É que já em outubro de 2000, reportagem publicada pela BBC revelava que países ocidentais – leia-se EUA e Grã-Bretanha – financiavam pesquisas para desenvolver um fungo capaz de atacar plantações de papoula naquele país. Na ocasião, o problema seria a segurança para se desenvolver um agente patogênico desse tipo, bem como a legalidade da invasão do território afegão para promover tal infestação. (Robert Berlinck/Blog Quiprona/13/05/2010). Isso, no entanto, parece que foi suplantado.

Em matéria publicada pela Biotec/AHG (09/05/2006), Marcos Siqueira diz que o bioterrorismo ganhou maior notoriedade após os ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, EUA, em 11/09/2001. Revela que o agroterrorismo não é recente, pois na Primeira Guerra Mundial o exército alemão utilizou o Bacillus anthracis, agente causal do Antraz, para contaminar cavalos e mulas na Mesopotâmia e França! Diz ainda que os Governos Britânico, Americano e as Nações Unidas investiram 1,3 milhões de dólares para desenvolver um fungo que matasse as papoulas do ópio em plantações afegãs como uma arma biológica, sem ameaçar outras plantas e animais. E tudo indica que esse intento foi atingido no Uzbequistão, país vizinho ao Afeganistão: pesquisadores americanos e ingleses desenvolveram um fungo – o Pleospora papaveracea – capaz de destruir as principais variedades de papoulas incluídas no teste, sem afetar as cerca de 130 espécies de plantas parecidas com a papoula, o que do ponto de vista científico foi um sucesso!

Diante de todo esse imbróglio envolvendo fungo, papoula e talebans no remoto Afeganistão, a pergunta que se faz,é:será que existe algum significado político por trás de toda essa história? Mas para melhor entender isso é preciso retornar um pouco no tempo.Em dezembro do ano passado, embora tenha estabelecido um prazo de meados de 2011 para começar a retirar as tropas americanas do Afeganistão, o presidente dos EUA, Barack Obama (Prêmio Nobel da Paz!?), ordenou o destacamento de mais 30 mil soldados para aquele país! E em recente visita-surpresa ao Afeganistão, Obama agradeceu ao povo afegão e às tropas americanas por seu sacrifício na guerra no Afeganistão, e prometeu impedir o regresso da milícia talibã ao poder no país. Ele afirmou ainda que está “absolutamente certo” de que os Estados Unidos vencerão os talibãs e a Al-Qaeda no Afeganistão. E acrescentou:“Com nossos aliados, venceremos”. (RedaçãoTerra,28/03/2010).

Por último, é bom lembrar do suposto atentado terrorista na Times Square, em Nova York, na tarde do dia 1º de maio de 2010, quando um carro-bomba estacionado e fumaçando foi desarmado pela polícia local. Logo em seguida foi preso o paquistanês naturalizado americano Faisal Shahzad, que admitiu estar ligado ao caso.O suspeito disse ainda ter sido treinado em campos terroristas no Paquistão e as autoridades americanas acreditam que grupos insurgentes ligados ao Taleban estejam envolvidos no episódio (Agência Estado,13/05/2010). O curioso nessa história é que o camelô que detectou o sinal de fumaça vindo do carro Nissan Pathfinder estacionado junto ao meio-fio e avisou ao policial que passava, era o veterano de guerra do Vietnã, Lance Orton, que foi aclamado como herói e, dias depois, recebeu os cumprimentos do presidente Barack Obama por telefone. (Paulo Stockler/Coluna do Nassif, 03/05/2010). Não é muita coincidência?

* Médico-Veterinário, Escritor e Estudante de jornalismo.

Artigo publicado em 28 de maio, no jornal Correio do Estado.

Link permanente 4 Comentários

Insistindo em [ser]

23/05/2010 at 01:27 (Flávio Marques)

Eu continuo com essa sensação… A estranheza e a indiferença ao mesmo tempo, chegaram – sem pedir licença – com a minha permissão. Eu sempre sei que [quando] a culpa é minha. Numa tentativa ridícula de tentar explicar, posso dizer que sou, ultimamente e há algum tempo, um estranho pra mim mesmo e a indiferença vem da anestesia que eu mesmo apliquei. Foi o jeito que eu arranjei para não ver onde estou, o que tenho visto, o que tenho feito… Atitude que serve para me proteger, só para ficar mais fácil olhar o espelho.

Sentimento de burrice que dá medo e, no fundo, mostra  que tá ficando tudo seco por dentro, de um jeito que  encobre tudo com desespero. Um dos maiores medos que eu tenho, não saber mais escrever. Apesar de tudo, continuo com a mania insuportável de ficar falando, querendo que os outros saibam e também falem.

Mesmo correndo o risco  deixar por aqui um tanto de palavras vazias, eu vim. Apelei mais uma vez para as letras, sem saber que texto elas me dariam. Àquele que não merece e não tem o dom de fazer verso, hoje, elas  deram a prosa de mim e para mim mesmo. E com [para] quem mais passar por aqui… apenas digo que sinto, muito.

Link permanente 1 Comentário

O caso Verón

11/05/2010 at 12:05 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Clique na imagem e assista ao vídeo que retrata de forma emocionante o assassinato de Verón (áudio em português, legendado em inglês)

O fato aconteceu na passagem do dia 12 para o dia 13 de janeiro de 2003, no acampamento indígena Takuara, localizado na fazenda Brasília do Sul, em Juti, sul de Mato Grosso do Sul, de propriedade do senhor Jacintho Honório Silva Filho. Quatro homens armados e empregados da fazenda – Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Nivaldo Alves Oliveira (foragido) – foram responsabilizados pelo crime, mas o proprietário, suspeito de ser o mandante, foi apenas indiciado. Segundo consta, eles ameaçaram, espancaram e atiraram nos líderes indígenas, incluindo Marcos Verón, que na época tinha 72 anos e morreu de traumatismo craniano. (Thiago Gomes/Correio do Estado, 03, 05,08/05/2010).

Eles chegaram às 3 horas da madrugada de terça-feira, já atirando. Todo mundo correu para o meio do mato, a beira do rio, menos um filho meu de 11 anos, eu, meu pai e minha irmã, que estava grávida de seis meses. Tiraram a gente do barraco, puseram eu e meu e meu pai de joelhos e começaram a espancar nós dois, com chutes, coronhadas de espingarda e revólver. Aí me amarraram e queriam botar fogo em mim com gasolina. Fizeram um fogo e eu fiquei de lado, ardendo, tanto que depois no hospital o doutor disse que eu tava com queimadura de 2º e 3º graus. Meu pai continuou amarrado, e eles batendo o tempo todo com chutes e coronhadas. Aí chegaram outros com mais duas mulheres e duas crianças e começaram a espancar todo mundo. Nas crianças eles batiam de cinto. Aí puseram a gente numa caminhonete e levaram para beira de uma estrada. Bateram tanto na gente que eu desmaiei (…) Meu pai tava do lado, todo machucado, cheio de sangue. Consegui pegar uma carona até uma parte da estrada. Aí levei meu pai num carro da aldeia até o hospital de Dourados, mas ele já chegou praticamente morto. Só depois, na Polícia Federal, foi que avisaram que meu pai tinha morrido”. (Depoimento de LadioVerón Cavalheiro que na época tinha 37 anos, e conta como foi a morte do pai, Marcos Verón, na madrugada do dia 12 para o dia 13 de Janeiro de 2003) (Marta Ferreira/Campo Grande News, 19/04/2010).


O caso Verón – à semelhança do de Marçal de Souza – que ganhou notoriedade devido ao destaque do líder indígena que já representou sua comunidade em eventos internacionais, é hoje acompanhado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos. Mas para o advogado de defesa dos acusados pelo crime, Josephino Ujacow, o destaque dado ao julgamento é “uma manifestação favorável aos índios, como se tivesse havido uma tragédia imensurável”. Para ele, os homicídios entre os Guarani-Kaiowá são “corriqueiros na região de Dourados (MS) e o assassinato do cacique teria sido obra de outro membro da comunidade que já estaria morto (Laucídio Barrios Flores) durante uma discussão interna”. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, porém, Mato Grosso do Sul é o estado que concentra a maior parte dos homicídios contra índios. E para o Ministério Público Federal (MPF), essa violência se acentua à medida que o agronegócio se expande na região e os índios intensificam a luta pelas terras que consideram como tradicionais. (Graça Adjuto/Agência Brasil,03/05/2010).

Em 23/04/2007, o Procurador da República em Dourados, Charles Stevan da Mota Pessoa, personagem central de toda essa história, pediu o desaforamento do julgamento do caso Veron para São Paulo. Na ocasião, ele alegou que o proprietário da fazenda Brasília do Sul, onde se deu o crime, é “pessoa com enorme influência econômica e política na região, e cujas demonstrações vêm sendo dadas com relação a fatos concernentes ao presente processo (…)”. E o pedido de desaforamento, “é para garantir a imparcialidade no julgamento”.(Antonio Viegas/Correio do Estado, Luís Carlos Luciano/DouradosInforma/23/04/2007).Charles Stevan conseguiu, de fato, o adiamento e, posteriormente, o desaforamento do julgamento, mas ao que parece ele não tinha a mínima idéia da dor de cabeça que isso representaria no futuro do processo.

É que em 04 de maio último, os representantes do Ministério Público Federal (MPF) no julgamento dos acusados da morte do líder indígena Marcos Veron, abandonaram o plenário no segundo dia do júri popular, que acontecia na 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Isso aconteceu depois que a defesa dos réus impugnou o uso de intérprete no depoimento dos indígenas – eles não poderiam falar na língua guarani! – o que foi deferido parcialmente pela juíza Paula Mantovani Avelino, que presidia o Tribunal do Júri. E pior:o julgamento foi redesignado para 21/02/2011!(Capitalnews,07/05;CorreiodoEstado, 08/05/2010).

Mas, afinal, o que aconteceu no julgamento dos executores da morte de Marcos Veron em São Paulo? Tramóia da defesa, precipitação do procurador da República, Wladimir Arias, ou parcialidade da juíza Paula Mantovani? Difícil dizer, mas qualquer que seja a resposta,o fato concreto é que o desfecho parcial do caso Veron se insere no rol de inúmeros outros casos de impunidade envolvendo grandes proprietários de terras e comunidades indígenas em busca de sua Tekoha – “terra sagrada, lugar sagrado onde os guarani realizam seu modo de ser”. (Marta Ferreira/Campograndenews/19/04/2010). É como diz essa mesma publicação da Procuradoria da República do Estado:“No Mato Grosso do Sul tem índio demais para Tekoha de menos”. Daí a importância de projetos como o “Ava Marandu” – “Os guarani convidam” – promovido esta semana pelo pontão de cultura guaicuru e que visa disseminar a cultura e os direitos humanos dos povos guarani. Que tal?!

Artigo publicado no jornal Correio do Estado no dia 11 de maio de 2010.

* Médico-Veterinário, Escritor e Estudante de jornalismo.

Link permanente Deixe um comentário