Grafiteiros na praça

22/12/2011 at 15:39 (Hermano de Melo)

Hermano Melo*

Dias atrás, a prefeitura de Campo Grande, MS, por meio da Fundação Municipal de Cultura (Fundac), promoveu o concurso “Arte do Grafite no Natal de Campo Grande”, e premiou três grafiteiros que fizeram os melhores desenhos sobre o tapume que cerca atualmente a Praça Ary Coelho, no centro da Capital, em reforma desde 04/09/2011. O concurso estabeleceu datas para inscrição dos concorrentes, valores da premiação, deadline para a execução dos trabalhos, e o tema que deveria ser abordado pelos grafiteiros: a decoração natalina do centro da Capital. Outra votação de cunho popular via internet premiou o melhor trabalho em grafite dos demais artistas.

O resultado oficial do concurso revelou que 33 grafiteiros participaram do evento, seus desenhos foram concluídos e se encontram na praça para quem quiser ver. Os prêmios foram entregues aos vencedores pelo próprio prefeito Nelsinho Trad. Sulivan Gonçalves foi o grande vencedor e recebeu R$ 4.000. “Vou usar o dinheiro para arrumar a frente da minha casa e fazer um espaço só para grafiteiros”, afirmou. Muriel ficou em segundo e embolsou R$ 2.000. O terceiro lugar foi de Alice Hellmann, estudante de artes plásticas. Ela levou R$ 1.000 para casa. “Foi uma oportunidade essa exposição. Isto é uma vitrine para o nosso trabalho. É difícil ter espaço para os artistas mostrarem a sua arte. As pessoas que passavam pela rua puderam admirar o nosso trabalho e ver que é diferente da pichação; é arte”. (www.capital.ms.gov.br/fundac).

Os desenhos produzidos pelos artistas grafiteiros no tapume que reveste a Praça Ary Coelho chamam realmente a atenção de quem passa por ali todos os dias, e serviram para amenizar o visual do tapume “nu e cru” que cercava anteriormente a praça mais popular de Campo Grande. É provável que a intenção da Fundac, ao criar o tal concurso, foi justamente de se antecipar ao que iria acontecer de qualquer forma, caso os grafiteiros de plantão se mobilizassem e realizassem a tarefa por conta própria e à revelia do poder público municipal.

Dois exemplos de graffitis e grafiteiros que participam do concurso da Prefeitura de Campo Grande

É claro que a convocação dos grafiteiros para ocupar com a sua arte a superfície do tapume que cerca a Praça Ary Coelho em processo de revitalização foi uma boa idéia da Fundac municipal. No entanto, como a atividade grafiteira é essencialmente libertária e se caracteriza pela livre escolha de temas e traços pelos seus respectivos autores, o estabelecimento a priori de regras por parte da prefeitura não deixa de ser uma forma de cercear o trabalho dos artistas. Ao obrigá-los a tratar apenas de temas natalinos em seus trabalhos, a Fundac infringiu uma importante norma grafiteira e despolitizou a questão do fechamento da praça pré e pós-reforma, ainda questionada por amplos setores da sociedade campo-grandense.

A questão que se coloca hoje para a sociedade local é: a Praça Ary Coelho deve ou não ser fechada ao público em determinados horários, após a conclusão do atual processo de revitalização? Para o arquiteto Paulo Hernandes, responsável pela concepção do projeto, os problemas de segurança e manutenção motivaram a medida. Segundo ele, “é um imperativo de segurança da própria comunidade e a certeza de que haverá meios de manter a praça sempre limpa e bonita”. No entanto, o sociólogo Silvino Areco afiança que “a colocação de cercas, além de não resolver, demonstra a incapacidade do poder público em tratar das questões sociais, incluindo a segurança pública”. E acrescenta: “O projeto de revalorização do centro passa pela revitalização da praça, porém, o seu fechamento vai na contramão desse processo”. (Ricardo Santos/Jornal Projétil/UFMS, Dez/2011).

Em favor da tese do não-fechamento das praças – quer seja antes ou após a sua revitalização – basta citar aqui o que disse o jornalista e escritor Ruy Castro na Folha de São Paulo de 26 de agosto passado, ao saudar a retirada das grades da Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro: “Os antídotos contra a violência e a deterioração dos espaços são urbanismo, iluminação e policiamento”. E o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos da cidade, em entrevista ao jornal “O Globo”, afirmou que a prática de cercamentos desapareceu. “Não temos solicitações nem necessidades mais de fechar espaços abertos. Estamos virando a curva para abrir os espaços novamente”. (Ricardo Santos/Jornal Projétil/idem acima).

Ainda há tempo, portanto, para rever o projeto de fechamento da Praça Ary Coelho após a sua revitalização, que deverá estar concluída até maio de 2012. Assim como a Praça Tiradentes no Rio e a Castro Alves em Salvador, a Ary Coelho é essencialmente do povo e não rima com cercas, muros, etc. Para deixá-la nos trinques após a reforma é só cuidar bem dela diuturnamente, policiar melhor e higienizar os seus banheiros! Quem sabe, uma vez passada a onda de Natal e Ano Novo, os grafiteiros sejam reconvocados para fazer livremente os desenhos que eles gostariam de ter feito antes no tapume ao redor da Praça Ary Coelho e não fizeram, hein?

* Jornalista e Escritor

Artigo publicado em 22 de dezembro de 2011, no jornal Correio do Estado.

Link permanente 3 Comentários

Durban 2011

12/12/2011 at 15:04 (Hermano de Melo)

Hermano Melo*

Desde segunda-feira (28/11/2011) até a madrugada deste domingo (11/12/2011), cientistas, diplomatas e alguns chefes-de-estado de 194 países reuniram-se em Durban, África do Sul, para mais uma Conferencia do Clima das Nações Unidas, a COP-17. Nela se discutiu mudanças climáticas do planeta e medidas que devem ser tomadas para reduzir o aquecimento global. Há consenso entre os cientistas de que o aumento de temperatura até o ano 2020 não deve ultrapassar dois graus centígrados, a fim de evitar danos climáticos irreversíveis. Para isso, tanto os países ricos quanto os em desenvolvimento devem reduzir ainda mais as suas emissões de gases efeito-estufa nos próximos anos. (Globo online, 30/11-05/12/2011; Correio do Estado, 30/11; 05 e 06/12; Tribuna da Bahia, 11/12/2011).

Nos últimos anos, a Terra está em processo acelerado de aquecimento. Isto acontece devido à alta concentração de gases do efeito estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) – provenientes da própria atividade humana na agricultura, comércio, indústria, automóveis, desmatamento, queimada de florestas, etc. Como resultado, as temperaturas médias globais são as maiores nos dois últimos séculos, e aumentou cerca de 0,74°C nos últimos 100 anos. Conforme relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2007 poderá ocorrer o acréscimo médio de 2°C a 5,8°C na temperatura do planeta nos anos vindouros.

Dados apresentados em Durban revelam que, mais da metade de todas as emissões de carbono liberadas na atmosfera são geradas por apenas cinco países: China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Japão. O Brasil aparece na sexta posição no ranking, seguido de Alemanha, Canadá, México e Irã. Em 2010, as emissões de CO2 bateram recorde histórico e cresceram 5,9% em relação ao ano anterior, devido à recuperação rápida da economia mundial após a crise de 2008/09, especialmente nos países em desenvolvimento. Os dez países são responsáveis por 2/3 das emissões globais de carbono. (Folha online, 30/11-05/12/2011).

Mas, se antes era comum jogar a culpa do aquecimento global nas costas dos países industrializados, hoje a situação se inverteu, e o comportamento dos países em desenvolvimento é crucial para isso. Assim, pacotes de estímulo como o adotado pelo Brasil, para aumentar o consumo de carros e eletrodomésticos, aliados à queda no comércio internacional, fizeram com que o carbono que os países emergentes lançam no ar para alimentar o próprio consumo tivesse um crescimento maior no lado de cá do mundo do que no hemisfério Norte pela primeira vez na história!

Além disso, as políticas adotadas pelos países ricos (os mais atingidos pela crise financeira mundial), também contribuíram para essa escalada, pois em vez de iniciarem mudanças estruturais na economia, eles aliviaram restrições ao consumo de combustíveis fósseis. Por outro lado, os pacotes de “estímulo verde” à economia em vários países desenvolvidos e em emergentes como a Coreia do Sul, ainda não tiveram efeito nas emissões.

Embora não se esperasse resoluções mais impactantes em Durban, duas medidas aprovadas ao apagar das luzes, “salvaram a lavoura” do evento sul-africano: uma extensão do Protocolo de Kyoto atual até 2015, com inclusão de metas de redução de emissões para os dois maiores poluidores do planeta, Estados Unidos e China, a partir de 2020, e aprovação de regras do Fundo Verde do Clima, que disponibilizará aos países em desenvolvimento US$ 100 bilhões anuais, a partir de 2020, para o desenvolvimento de energias “limpas” e combate às alterações climáticas.

“Temos de nos orgulhar muito, este é um momento histórico”, disse o embaixador brasileiro Luiz Figueiredo ao final da COP mais longa da história. “Esta plataforma tem uma chance real de se tornar uma conquista ainda maior que o Mandato de Berlim”, disse a comissária europeia do Clima, Connie Hedegaard em referência ao processo legal em 1995 que deu origem a Kyoto. “Os países sairão daqui dizendo que foi um grande sucesso, especialmente os Estados Unidos. Mas para o clima não foi”, afirmou Samantha Smith, da ONG WWF. (Tribuna da Bahia, 11/12/2011).

Resumo da ópera: até 2020, Estados Unidos e China receberam aval para continuarem emitindo gases efeito-estufa ao seu bel prazer, enquanto outros países, como o Brasil, continuarão obedecendo às regras frouxas estabelecidas pelo protocolo de Kyoto e pela COP-15 de Copenhague (2009). Isto significa que a Terra vai continuar esquentando nos próximos oito anos, colocando em risco rios, florestas, megacidades, etc., e a existência humana no planeta.

Mas o Brasil ganhou o prêmio “Fóssil do Dia” oferecido por ONGs durante a COP17 em Durban, África do Sul. É que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, sugeriu que o Código Florestal brasileiro – recentemente aprovado no Senado Federal – pode ajudar o Brasil a chegar à meta de redução de gases-estufa em nível global. Elas duvidam disso. Nós também.

* Escritor e Jornalista

Artigo publicado em 12 de dezembro de 2011, no jornal Correio do Estado.

*****

Link permanente Deixe um comentário