IPTU & Dengue

28/10/2011 at 12:22 (Hermano de Melo)

Hermano Melo*

 

Publicada em 19/10/2011 no Diário Oficial de Campo Grande-MS, a lei nº 4.995, de autoria dos vereadores Mário César e Vanderlei Cabeludo, que dispõe sobre o Programa Agente de Saúde voluntário no combate à dengue, e que será coordenado e avaliado pela Secretária Municipal de Saúde Pública. Segundo a lei, pessoas físicas que se tornarem agentes voluntários serão responsáveis por cinco quarteirões no entorno à residência onde moram, “realizando visitas de conscientização, verificando criadouros de mosquitos da dengue e promovendo debates com moradores”. Se durante três meses consecutivos não forem identificados focos do mosquito Aedes aegypti ou casos de dengue na área, ele terá desconto de até 20% no valor total do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) no período dos meses em que fizer parte do Programa. A lei tem prazo de 60 dias para ser regulamentada.

Para Alcides Ferreira, chefe do Serviço de Controle de Vetores do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), “o programa será muito bom se a sociedade tiver disposição e aderir. A comunidade precisa estar mais envolvida no combate à dengue, se não todo trabalho que a gente faz vai por água abaixo”. E o prefeito Nelsinho Trad disse que, “a criação de grupo de agentes voluntários para combater os focos do mosquito transmissor da dengue, é um mecanismo a mais para a população ajudar a combater o vetor no município de Campo Grande. Só o poder público não consegue resolver questões se não tiver o apoio da população, daí o incentivo”. (Anahí Zurutuza/Daniella Arruda/Correio do Estado, 22/10/2011).

Dados da Secretaria Municipal de Saúde Pública (Sesau), revelam que até 18 de outubro último,4.779 casos de dengue foram notificados este ano em Campo Grande, número bem abaixo do registrado no ano passado, quando quase 42 mil pessoas tiveram a doença na Capital. Revela também que a cidade conta hoje com 450 agentes de saúde do CCZ que trabalham exclusivamente no combate à dengue, fazendo visitação em residências, borrifo de inseticida com bombas costais, carro-fumacê e eliminação manual dos focos. Como a população atual de Campo Grande é de cerca de 800 mil habitantes, significa que há um agente de saúde para cada 2.000 habitantes, o que parece pouco para combater a dengue.

   A ideia de dar descontos no IPTU para quem mantiver sua casa e as da vizinhança livres da dengue é boa, mas de difícil implementação. Além disso, ela não deve ser utilizada como medida isolada, mas no bojo de um conjunto de iniciativas que visem o controle dessa enfermidade. Em visita à Manaus-AM em janeiro passado, o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa, disse que o desconto no IPTU para casas livres de focos da dengue poderia ser uma das armas a serem adotadas pelas prefeituras. E o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou: “Embora algumas cidades do País adotem a multa como uma das medidas para impedir que as casas tenham focos da larva do mosquito transmissor, o modelo de combate à dengue deve trazer medidas que induzam o cidadão a tomar cuidado com a água parada”. (Portal Amazônia, 11/02/2011).

Independente, porém, de medidas como esta de desconto no IPTU para o controle da dengue, a melhor arma contra qualquer doença é a vacinação. Ocorre que ainda não se tem em mãos uma vacina eficaz contra os quatro tipos de vírus da dengue. Por isso, no momento, cinco capitais brasileiras – Campo Grande, Fortaleza, Vitória, Natal e Goiânia – são palcos de experimentos com objetivo de testar uma vacina tetravalente contra a dengue produzida por uma farmacêutica estrangeira – a Sanofi. Em Campo Grande, embora ainda não iniciados, os estudos são coordenados pelo infectologista Rivaldo Venâncio e vão envolver 500 alunos da rede municipal de ensino e custará cerca de R$ 2,8 milhões bancados pela farmacêutica. Caso aprovada, a vacina deverá ser vendida ao governo brasileiro e colocada no mercado em 2014 (Vânya Santos/Correio do Estado, 24/10/2011).

Mas, pesquisadores brasileiros também realizam estudos para elaborar uma vacina contra a dengue. No ano que vem, o Instituto Butantã, em São Paulo, testará uma vacina contra os quatro tipos de dengue em pacientes voluntários. A previsão é de que até 2015 ela esteja aprovada no Brasil. E no Ceará pode surgir a primeira vacina vegetal de combate à dengue. Segundo Isabel Guedes,responsável pela  pesquisa, “é uma vacina não invasiva, que usa uma rota natural e não possui qualquer contra indicação”. (TV Russas, 20/10/2011).

Não há dúvida que o desconto de IPTU para agentes voluntários do programa antidengue a ser implantado pela prefeitura de Campo Grande, MS, é interessante. Mas, em Barra Mansa, Estado do Rio de Janeiro (Folha do Interior,21/10/2011), um programa elaborado pela prefeitura local dá desconto de 50% no valor do IPTU-2012 para aposentados, pessoas portadoras de deficiência e pensionistas de marido morto, com renda de até 10 salários mínimos, e dono do imóvel em que reside, sem necessidade de controlar a dengue. Não é uma boa?

* Médico Veterinário, Parasitologista e Quase-Jornalista.

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Do tear ao carro nacional

05/10/2011 at 11:53 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Em 16/09/2011, o governo federal aumentou em 30% o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos importados e exigiu das montadoras índice de nacionalização de 65%, além do cumprimento de uma série de etapas produtivas no Brasil como contrapartida para evitarem a alta do tributo (Decreto 7.567/2011). Em entrevista ao programa “Hoje em Dia”, da TV Record (29/09), a presidenta Dilma Rousseff defendeu impostos mais elevados para empresas que não produzem carros no país, como ferramenta de proteção aos empregos. Ao lhe perguntarem sobre essa decisão,ela respondeu: “Todas as empresas que estão se queixando não estavam produzindo aqui. Nós queremos que qualquer empresa estrangeira que venha para o Brasil para não pagar imposto maior, ela tem que produzir aqui, ela tem que criar empregos aqui”. (Site Terra, 29/09/2011).

Mas, enquanto a indústria “nacional” de automóveis comemorava a medida, algumas montadoras estrangeiras e suas revendedoras no Brasil a consideraram protecionista e obtiveram na justiça liminares suspendendo a cobrança da alíquota maior do tributo. Segundo o juiz José Márcio da Silveira e Silva, da 5ª Vara da Justiça Federal do DF, o aumento do imposto precisa respeitar a “regra da anterioridade nonagesimal” prevista na Constituição Federal, isto é, a majoração da alíquota de certos tributos como o IPI só passa a vigorar 90 dias após a publicação da lei ou decreto que a estabeleça. Em 22/09, o DEM ingressou no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade contra dois artigos do decreto que prevê o aumento do IPI de carros importados. (Globo.com/G1, 24/09/2011).

O governo federal, porém, promete derrubar todas as liminares, e a ação de inconstitucionalidade impetrada pelo DEM. Dilma afirmou que a indústria automobilística brasileira não foi afetada pela medida e que o setor segue “intacto”, e justificou a elevação do IPI como uma maneira de frear a crescente participação dos veículos importados no setor brasileiro que, de acordo com ela, se aproximou de 20% nos últimos dois anos. “Isto é comprometer os empregos de qualidade do povo brasileiro. Este governo não vai deixar”, prometeu. “Podem investir aqui, sim. Serão protegidos, acolhidos… mas venham e produzam aqui, gerem tecnologia aqui”.

Embora a medida de aumento do IPI para carros importados seja oportuna e vise preservar o emprego no setor automobilístico nacional em tempos de crise financeira mundial, difícil é acreditar que ela contribua de fato para gerar novas tecnologias por aqui. É o que disse recentemente o segundo vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), João Guilherme Ometto, em evento da fundação Getúlio Vargas: “O país precisa voltar ao ‘nacional desenvolvimentismo’”. E foi mais longe: “Sai no jornal que 60% da indústria de autopeças é nacional, mas tirando o marketing e o lucro, na prática são 20%”. Sobre o aumento do IPI para defender a indústria automobilística nacional, Ometto considerou positiva a medida de que 5% do faturamento seja investido em inovações no país, mas não acredita que as grandes empresas do setor sejam nacionais. “Na verdade, elas têm toda inteligência de produção e, quando querem, enviam todos os dividendos para fora”. (Arícia Martins/Valor Online, 27/09/2011).

E aí está o xis da questão. Há tempos (desde o período colonial!), o Brasil importa produtos e tecnologias de países desenvolvidos e, ultimamente, carros de algumas economias emergentes como China e Coréia do Sul. Essa forte dependência tecnológica do país em relação às outras nações é justamente o tema do histórico livro de Carlos Azevedo e Guerino Zago Jr., “Do tear ao computador – As lutas pela industrialização no Brasil” (1989), de leitura obrigatória. Na apresentação, os autores afiançam que nos noticiários dos jornais de junho de 1989 os EUA alegavam que “a indústria de informática brasileira feria seus interesses e prometiam retaliações”. No capítulo “É proibido fabricar”, decreto de 05 de janeiro de 1785 da rainha Maria I não deixa dúvidas quanto ao tipo de relação comercial que Portugal tinha com a sua mais importante colônia ultramarina: “Eu, a rainha (…) hei por bem ordenar que todas as fábricas, manufaturas ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados de ouro e prata (…) sejam extintas e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil”. Entende-se porque o Brasil não possui até hoje um carro genuinamente nacional.

Diante disso e levando em consideração o alto índice de aprovação do governo Dilma (71% na última pesquisa Ibope), não seria o caso de, ao invés de apenas taxar em 30% os carros importados, o país inicie um projeto ambicioso de longo prazo para desenvolver um carro nacional? Poderia ser um minifusca movido à energia elétrica, solar ou eólica e com tecnologia 100% nacional! É muito provável que o país já possua know-how e pessoal habilitado para isso, falta só vontade política para realizá-lo. Quem sabe se isso for feito a gente tenha chance de usufruir de um carro verdadeiramente nacional na quarta idade?

* Professor, Escritor e Quase-Jornalista.

Artigo publicado em 05 de outubro de 2011, no Jornal Correio do Estado.

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