Reaquecimento global

09/06/2011 at 11:38 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado na semana passada, revela que as emissões de gás carbônico (CO2) – principal responsável pelo aquecimento global e efeito estufa – bateram recorde em 2010, com crescimento de 5% em relação a 2008. Um total de 30,6 gigatoneladas (Gt.) de CO2 foi despejado na atmosfera no ano passado contra 29,3 em 2008, o que representa aumento de 1,6 Gt. no período. Isso coloca em xeque o cumprimento da meta estabelecida pelos países na conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada no ano passado em Cancun, México, de limitar o aquecimento global abaixo de 2 graus até 2020. (Folha.com, 01/06/2011; Estadão, 30/05/2011).  

Se, por um lado, esse aumento de CO2 na atmosfera é indicativo de que a crise financeira mundial de 2009 foi superada e que um grande contingente de trabalhadores voltou ao mercado de trabalho em países emergentes como China, Índia e Brasil (aqui, 28 milhões de brasileiros viraram classe média!), de outro, é motivo de preocupação para cientistas que acompanham o aquecimento global. Segundo eles, o efeito estufa acontece assim: a luz solar é refletida pela superfície da terra ou irradiada pelo planeta na forma de raios infravermelhos > gases presentes na atmosfera (CO2), absorvem esses raios > o calor retido na atmosfera aumenta a temperatura da superfície terrestre > efeito estufa. E as principais fontes de emissão de gases efeito-estufa são: o setor energético (62,5%), desmatamento (19,3%), agricultura (14,6%) e lixo (3,6%). A previsão é de que se houver um aquecimento global acima de 2 graus Celsius até 2020, as conseqüências ambientais serão devastadoras (Folha.com, 01/06/2011).

Infográfico produzido pela Folha de São Paulo para mostrar o avanço na emissão de gases do efeito estufa.

Conforme o relatório da AIE, para manter o aquecimento global dentro de limites aceitáveis, as emissões globais de CO2 não devem ultrapassar as 32 gigatoneladas até 2020, mas isso dificilmente será cumprido. Para o economista-chefe da AIE, responsável pela elaboração do relatório, Faith Birol, “o significativo aumento das emissões de CO2 e o comprometimento das emissões futuras por conta de investimentos em infraestrutura, representam um grave revés para nossas esperanças de limitar o aumento global da temperatura para não mais de 2 graus Celsius”. Se o crescimento das emissões em 2011 for igual ao do ano passado, esse limite já terá sido ultrapassado nove anos antes do prazo!

Nesse sentido, matéria publicada recentemente diz que as emissões de CO2em São Paulocresceram 58% nos últimos 18 anos, e que o Estado precisará reduzi-las em cerca de 17,7 milhões de toneladas de CO2 até 2020, para cumprir a legislação estadual e as metas da ONU. Entre 1990 e 2008, as emissões em SP saltaram de 60,7 para 95,7 milhões toneladas de CO2 e as principais fontes de emissões foram o setor de energia, onde está incluída a queima de combustíveis fósseis pelos automóveis e a indústria em geral. (Estadão, 21/04/2011).

Diante de tudo isso, o que fazer? Deixar as coisas como estão para ver como é que ficam? Chegar para China, Índia e Brasil e dizer: “Vocês precisam parar de crescer economicamente para que as emissões de gases efeito-estufa se estabilizem.”. Para os brasileiros: “Deixem de comprar carros porque isso afeta o clima do planeta e utilizem os ônibus mal cuidados, desconfortáveis, inseguros, etc.”. Para Dilma Roussef: “Presidenta, esqueça as reservas de petróleo do pré-sal, pois elas vão provocar sérios danos ao meio ambiente e contribuir para o aquecimento global”. “Pare a construção da represa de Belo Monte, porque isso provocará mais emissão de CO2!” Ou chegar para os deputados federais e recriminá-los por terem aprovado um Código Florestal que vai ajudar a dizimar as florestas brasileiras e aumentar o aquecimento global? E o que dizer aos senadores?

Existem, porém, algumas medidas que podem e devem ser tomadas, mesmo por países emergentes e com alto índice de crescimento econômico como Brasil, Índia e China, para evitar (ou mitigar!) o superaquecimento do planeta em 2020. Dentre outras, podem ser citadas: acabar com o desmatamento em todo o território nacional e promover o reflorestamento e o plantio de árvores nativas em áreas já devastadas, investir seriamente em fontes alternativas de energia – elétrica, eólica, solar, etc.; adotar hábitos ecologicamente corretos na coleta e destinação do lixo, utilizar luminárias e aparelhos que consomem menos energia, estimular o uso de materiais biodegradáveis, etc. (Suplemento Ecologia do Correio do Estado, 05/06/2011). 

Enfim, como diz Faith Birol, no relatório da AIE: “O mundo chegou incrivelmente perto do limite de emissões que não deveria ser alcançado até 2020, para a meta de 2 graus ser cumprida. Dada a redução do espaço para manobras até lá, a menos que decisões fortes e decisivas sejam tomadas logo, será extremamente difícil conseguir alcançar a meta global acertada em Cancun”. Em outras palavras: caso o mundo não se mexa, a vaca poderá ir irremediavelmente para o brejo ao final desta década!

 * Escritor, pesquisador e acadêmico de jornalismo da UFMS.

Artigo publicado em 09 de junho no jornal Correio do Estado.

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O diretor e a camareira

02/06/2011 at 15:09 (Hermano de Melo)

Hermano de Melo*

Sob o título “Camareiras”, deu na coluna de Giba Um: “Aproveitando o episódio de Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, preso em Nova York por ter avançado sobre uma camareira, o comediante Tom Cavalcante, na festa de entrega dos prêmios Contigo, levantou a bandeira da solidariedade às camareiras de todos os hotéis do planeta. Ele garantiu que “fará de tudo para lutar pela categoria que teve todo o fundo tomado pelo FMI”. Detalhe: patrocinadores, diretores e roteiristas morreram de rir. Mais da metade da platéia, formada por jovens, não entendeu a piada”. (Correio do Estado, 20/05/2011).

Apesar de parte da platéia não ter entendido a brincadeira, o fato é que àquela altura do campeonato (17/05), a notícia da prisão de Strauss-Kahn havia se espalhado pelo mundo: “Dominique Strauss-Kahn (DSK), diretor-gerente do FMI, 62 anos, foi detido na tarde do sábado (14/05), no aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, sob acusação de abuso sexual a uma camareira do Hotel Sofitel, próximo a Times Square”. Ao renunciar, o todo-poderoso do FMI, declarou: “É com infinita tristeza que hoje me sinto obrigado a apresentar ao Conselho Administrativo minha renúncia ao cargo de diretor-geral do FMI”. Líder nas pesquisas eleitorais, Strauss-Kahn era considerado um dos principais nomes do Partido Socialista (PS) para as eleições presidenciais francesas do ano que vem. (AFP, BBC, Folha, Globo, 17- 19/05/2011).

A camareira que acusa Strauss-Kahn de agressão e estupro se chama Nafissatou Diallo, 32 anos, é imigrante da Guiné, muçulmana, trabalha no Sofitel há três, tem uma filha de 15 e vive há sete anos nos EUA. Ela prestou depoimento e confirmou as acusações de que teria sido violentada sexualmente por Kahn no interior do quarto do hotel onde ele estava hospedado e cuja diária é de US$ 3.000 dólares! O advogado de defesa de DSK afirma que não há provas consistentes de um encontro forçado, mas a acusação diz não ver nada que possa caracterizar a relação como consensual. Em declaração à imprensa local, o gerente do hotel onde ocorreu o fato disse que está “plenamente satisfeito com a qualidade do trabalho e com o comportamento da suposta vítima, que ocupa o posto de camareira”. (CMI Brasil, 20/05/2011).

Desde que a notícia sobre o suposto envolvimento do ex-diretor do FMI no estupro da camareira eclodiu na imprensa, porém, dois blocos de opinião se formaram: o primeiro, dos que julgam que Strauss-Kahn realmente praticou o delito, baseados principalmente nas declarações da camareira, nas possíveis evidências locais e em antecedentes sexuais dele; o segundo, dos que acreditam na inocência de Kahn (especialmente os franceses), e pensam que se trata de um complô político que tem a sua origem na própria França e no presidente Nicolas Sarkozy, que teme a candidatura de DSK nas eleições francesas do próximo ano. Alguns, porém, admitem que possa ter havido uma relação sexual consensual entre o ex-diretor-geral do FMI e a camareira, mas não um estupro. (Portal Terra, 17-22/05/2011).

Quanto aos antecedentes sexuais de Kahn, eles não são lá muito recomendáveis. Casado há vinte anos com a ex-repórter televisiva franco-americana Anne Sinclair, ele admitiu publicamente, em 2008, que teve um caso com a economista húngara e funcionária do FMI, Piroska Nagy. Em 2002, a jornalista Tristane Banon teria sido vítima de tentativa de estupro quando o entrevistava e ele ocupava o cargo de ministro da Indústria da França. No caso da camareira de Nova York, porém, ele só conseguiu se livrar da prisão após pagar fiança de 1 milhão de dólares e se comprometer a ficar trancado no apartamento recém-alugado em Manhattan/NY. O imóvel é vigiado 24 horas e Strauss-Kahn usa tornozeleira eletrônica. É bom lembrar, no entanto, que Strauss-Kahn não é a primeira, nem será certamente a última celebridade do mundo político/econômico a se envolver em escândalo sexual. Apenas para citar alguns: Bill Clinton/Monica Lewinsky (1998); Eliot Spitzer/prostitutas de luxo (2008); Arnold Schwarzenegger/Mildred Baena (2010), e outros. (Tatiana Bautzer/Isto é Dinheiro, 25/05/2011).

Por outro lado, a versão de que a acusação de estupro à camareira é mais um complô contra Strauss-Kahn, é sustentada principalmente pelos franceses. Trata-se de uma mistura de negação coletiva dos fatos, desconfiança dos americanos e rejeição ao sistema judiciário dos EUA. O professor de sociologia da Universidade de Estrasburgo, Gérald Bronner, explica: “A história de um diretor do FMI, socialista e prometido para a presidência da França, que estraga tudo por uma tentativa de estupro – um comportamento repugnante contra uma pobre mulher – é inverossímil demais, contra-intuitiva”. E Brigitte Guillemette, ex-mulher de Kahn, assegura que os fatos relatados pela polícia de Nova York não correspondem ao homem com quem ela conviveu por mais de 10 anos. “Ele é dócil, gentil. A violência não faz parte do seu temperamento. Ele tem muitos defeitos, mas não este”, completou. (Lúcia Müzell/Portal Terra, 20/05/2011).

O mais incrível nessa história toda é que, dias antes de embarcar para os EUA e enfrentar a acusação de estupro da camareira do Hotel Sofitel, em Nova York, Strauss Kahn concedeu entrevista ao jornal Libération, de Paris, em que previu um cenário onde “uma mulher que tivesse sido estuprada num estacionamento recebesse de 500 mil a 1 milhão de Euros para inventar a história”. (Tatiana Bautzer/Isto É Dinheiro, 25/05/2011). Pelo visto, DSK só se enganou do local!

*Professor, Escritor e Acadêmico de Jornalismo da UFMS.

Artigo publicado  no jornal Correio do Estado em 31 de maio de 2011.

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